Medicina na Bolívia tem mais brasileiros que curso da USP
Em 2010, quando era professor de medicina na Universidade Cristã da Bolívia (Ucebol), o médico Ruben (nome fictício) recebeu a carta de um aluno brasileiro conhecido pelo apelido de Psicopata.
Ali estava escrito que o estudante havia tentado o suicídio no passado e que, caso Ruben o reprovasse pela terceira vez, seria o responsável pelo que viesse a ocorrer.
A ameaça não evitou um novo fracasso, mas, no ano seguinte, para surpresa do professor, o Psicopata estava na cerimônia de graduação.
“Não sei como se formou, mas é um perigo para quem cair em suas mãos”, disse o médico à Folha.
Cansado do baixo nível dos alunos brasileiros –a grande maioria nas faculdades privadas da cidade– e de irregularidades, que incluem compra de notas, Ruben abandonou a sala de aula.
Psicopata faz parte de uma verdadeira invasão de brasileiros nos cursos de medicina bolivianos. São cerca de 25 mil alunos em instituições do país vizinho, segundo a Embaixada da Bolívia no Brasil.
Boa parte deles vem dos Estados próximos, como Acre e Mato Grosso, mas há alunos de quase todo o país.
Esse contingente equivale a 23% dos estudantes de medicina matriculados no Brasil no ano passado –110.804 alunos, segundo censo do Ministério da Educação.
O número de brasileiros estudando medicina na Bolívia é ainda 16 vezes maior do que os colegas que cursam na Universidade de São Paulo.
Os brasileiros são atraídos para a Bolívia por dois grandes motivos: a ausência de vestibular –basta o diploma de ensino médio para fazer a matrícula– e o custo baixíssimo das faculdades.
Na Universidade de Aquino (Udabol), onde estudam cerca de 5.000 brasileiros, o estudante que pagar à vista desembolsará cerca de
R$ 10.500 por cinco anos.
Na Santa Casa de São Paulo, essa quantia não cobriria sequer três meses do curso –a mensalidade é R$ 3.940.
Graduar-se, porém, não é simples. Formalmente, o processo dura ao menos sete anos. Inclui um ano de internato, três meses de trabalho obrigatório e aprovação no exame de graduação, feito fora da universidade.
Depois, está a difícil volta ao Brasil: apenas 2,1% dos formados na Bolívia passaram, em 2012, no Revalida, exame federal para validar o diploma de medicina estrangeiro.
“Aqui é o contrário, o vestibular fica pro final”, compara a farmacêutica goiana Tatiane de Azevedo, 29, que no ano que vem estudará medicina na Udabol. (Por FABIANO MAISONNAVE, Repórter da Folha de São Paulo)