População do DF não escapa da falta de água

Não se fala em racionamento, mas vários fatores combinados representam transtorno ao morador

A palavra “racionamento” tem preocupado os paulistas, que enfrentam o problema da falta de água nos últimos meses. O termo não se adequa à realidade do Distrito Federal, mas várias questões têm sido responsáveis pelo desabastecimento de algumas regiões. Por aqui, a falta d’água é atribuída à grande demanda devido ao calor intenso, à falta de chuvas e às ligações clandestinas.

Por aqui, a falta d’água é atribuída à grande demanda devido ao calor intenso, à falta de chuvas e às ligações clandestinas.
Por aqui, a falta d’água é atribuída à grande demanda devido ao calor intenso, à falta de chuvas e às ligações clandestinas.

“Não fui à missa ontem (domingo) porque não pude tomar banho”, conta Maria das Graças, aposentada de 44 anos e moradora do Condomínio Porto Rico, em Santa Maria.  Algumas de suas necessidades básicas, incluindo beber água, se tornaram alvo de atenção, já que seu filtro é embutido na torneira da cozinha, e dela não saiu uma gota durante o fim de semana. “Tive que buscar na escola. A água que temos aqui agora minha filha trouxe da casa do namorado, que mora em Céu Azul (GO)”, explica.

Faltou água  em outros pontos, como Brazlândia, Vicente Pires e Riacho Fundo,  no fim de semana. Segundo a Caesb, o tempo seco e o calor   levaram ao consumo  elevado, sobrecarregando o sistema.

Fim de semana

De acordo com a Caesb, nos dias de maior consumo, geralmente aos fins de semana, algumas cidades  demandaram 30% a mais  do que a média para o DF. São Sebastião e Santa Maria, afetadas pelo desabastecimento neste fim de semana, são duas das regiões com os maiores índices.

Moradora da QR 417, a dona de casa Berenice Cavalcante,   40, estava prevenida. Ela tem caixa d’água e até ajudou vizinhos. “Ainda não subi para ver o nível do reservatório, mas depois que a água voltou ontem, ainda não chegou com força para chegar à caixa”, diz.

Isso afetou a rotina da pequena Bárbara, que passa o dia na casa da tia Berenice enquanto a mãe trabalha. Para tomar banho, foi preciso encher uma bacia, para evitar desperdício. “Ainda mais nesse tempo seco e com criança pequena, é horrível pensar que pode faltar, né?!”, diz a mulher.

Após a falta de água em sua casa no sábado, a dona de casa ainda avisou a sobrinha Katriane Góis,   19, moradora do   Porto Rico, sobre o problema, para que pudesse se preparar. “Depois que fiquei sabendo, enchi um tanquinho da máquina de lavar para poder usar depois. Não faz muito tempo que já tinha faltado também”, conta.

Tanto ela quanto a tia ficaram irritadas por não terem recebido aviso prévio, mas, agora, o sentimento foi substituído por angústia, afinal elas não sabem quando pode voltar a acontecer. “Temos medo. Sem água, ninguém sobrevive, não é mesmo?”, conclui.

Problema rotineiro

Em Santa Maria,  Maria das Graças (foto) conta que o  filho   não foi à escola por falta de banho. “Está faltando água desde sábado. É a terceira vez que acontece no último mês”, reclama. Por volta das 12h de ontem, a água voltou e ela aproveitou para “fazer tudo rapidinho”, por temer nova interrupção. A obrigatoriedade de o  imóvel ter  reservatório  (caixa d’água) está determinada por lei. Segundo a Caesb, a produção de água no DF atinge, em média, 8,4 m³ por segundo, o equivalente a 8,4 mil litros. Em 2011, o habitante do DF consumia, em média, mais que o dobro   do considerado ideal pela Organização das Nações Unidas (ONU), que é de 110 litros por pessoa. O Lago Sul era a região mais “gastadora”, já que cada morador gastava até dez vezes mais que o sugerido.

“Gatos” comprometem a rede

Ao pensar em falta d’água, a associação é imediata com o estado de São Paulo, que convive com o racionamento devido à baixa reserva. Para o engenheiro civil, ambiental e doutor em Recursos Hídricos  Sérgio Koide, o DF vive  uma realidade bem distinta. “Em São Paulo não existe mais onde buscar água, aqui ainda existe”, simplifica.

De acordo com o especialista, o sistema de produção de água fica sobrecarregado por conta das expansões urbanas desorganizadas, que muitas vezes implicam grande número de ligações clandestinas ao sistema da Caesb. “Óbvio que pode ter havido   falha no sistema, mas o problema todo é controlar as invasões. O Setor Sol Nascente, por exemplo, demanda uma quantidade de água enorme. Estão tirando de onde? Lógico que isso sobrecarrega o sistema oficial”, argumenta.

Precariedade

Para o Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgotos (Sindágua-DF), no entanto, existe um segundo motivo: deficiências estruturais. O Sindágua alega existir “sucateamento da empresa” e acusa a Caesb de “não investir adequadamente para prevenir perdas de água”.

Para eles, a solução é tentar diminuir o desperdício com manutenção preventiva de redes e “caçar” ligações clandestinas. Além disso, o sindicato acredita que a proteção dos mananciais é importante para assegurar a captação devida e o planejamento urbano.

Demanda cresce muito

Segundo o gerente de Planejamento e Controle da Produção Água da Caesb, Diogo Gebrim, os mananciais têm plena capacidade de servir ao DF. Os mais importantes, os do Descoberto – na divisa com Águas Lindas (GO), na Região Metropolitana –, e o córrego de Santa Maria, seriam responsáveis por 85% da produção de água e atenderiam a mais de dois terços da população.

“O que ficou no limite foi a rede de distribuição. O sistema não comportou a demanda. Localidades em pontos altos com condições mais desfavoráveis de abastecimento podem ficar sem água”, explica. “Esses eventos podem acontecer, por isso existe a orientação para a instalação de um reservatório domiciliar que dure pelo menos 24h”, completa.

Ele explica que cidades como São Sebastião são abastecidas apenas por poços profundos, e a demanda está muito próxima da capacidade de produzir, o que é motivo de preocupação. “Já estamos trabalhando em interligação para integrá-lo com o sistema do Jardim Botânico ou Lago Sul”, revela.

Vicente pires

Em Vicente Pires, o fim de semana foi ainda mais seco para algumas famílias. Moradora da Rua 4 há mais de um ano, Iolanda Araújo, açougueira de 43 anos, diz ter ficado dois fins de semana sem abastecimento regular. “Não houve aviso. Temos crianças e isso atrapalha muito. A casa é pequena, mas também temos que lavar, tomar banho…”, diz.

Ela costuma cuidar da filha da vizinha, a pequena Érika, de   oito meses. A criança gosta de tomar banhos ao longo do dia principalmente por conta das coceiras provocadas pela catapora. “Tivemos que guardar   água para ela se banhar”, relata.

Agora, o que resta a ela  é a indignação,  pois a conta não repete o produto e “nunca falta”. “Eu me precavi  e enchi uns baldes. Estou com medo de acontecer de novo”, revela. O motivo do problema, além dos picos de consumo da cidade, foi o rompimento de uma adutora, no sábado. A informação oficial  é de que o reparo teria sido concluído no mesmo dia.

(Fonte: Jornal de Brasília)edição de André Silva

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