Criança vive drama após ter a mãe morta pelo próprio pai
Quatro dias após perder a mãe, morta dentro de casa com várias facadas desferidas pelo pai, o filho do casal começa a questionar a ausência dela. Órfão aos sete anos, não resta dúvidas de que ele também é vítima do feminicídio. No dia em que a Lei Maria da Penha completa 11 anos, o Jornal de Brasília mostra que as sequelas do crime contra a mulher vão muito além do óbito.
Depois da tragédia, o menino foi morar com os avós maternos a poucos metros do endereço onde tudo aconteceu, na QNO 18 de Ceilândia. Na manhã da última quinta-feira, o pai dele o deixou na escola e, ao voltar para casa, matou a companheira G.M.F.S., de 23 anos, que gritava o nome do agressor durante uma discussão, segundo a vizinhança. Em seguida, F. P.S., de 27 anos, se entregou à polícia e foi detido em flagrante.
A prisão do metalúrgico, no entanto, não apaga nem diminui a dor e o trauma dessa criança. Ontem pela manhã, ela foi ao sepultamento da mãe, no Cemitério Campo da Esperança de Taguatinga, e protagonizou uma cena emocionante. “Ele pediu para ir se despedir da mãe, escolheu uma flor, deu um beijo nela e jogou no caixão”, relatou o eletricista e zelador Paulo Henrique dos Santos, 49 anos, avô da criança.
Agora, além de lidar com a perda, a família ainda encara uma dificuldade financeira. Os avós, a irmã mais velha da vítima, sua filha de um ano e dois meses e o neto dividem uma casa humilde na QNO 17, Conjunto 10, em Ceilândia. Apesar da simplicidade, não falta amor para a novo morador. “Ele me chama de papai porque sempre fomos muito unidos. Não escondi nada do que aconteceu, inclusive, por orientação da psicóloga. Entretanto, não sabe dos detalhes. Ele não pergunta pelo pai, mas sente muita falta da mãe. Explicamos que ela foi para o céu e que não voltará mais”, declarou Paulo.
Na escola, a criança chegou a ouvir sobre o ocorrido. “Uma professora disse para ele que sua mãe estava machucada. Eu não menti e achei melhor confirmar. Falei que ela tinha dormido e não iria mais acordar. Seus olhos se encheram de lágrimas e eu disse que ele podia chorar. Nós dois nos abraçamos e desabamos”, contou.
Hoje, o filho do casal, que estava junto há nove anos, voltará para a escola. “Estamos tentando ocupar a cabeça dele. Após o sepultamento, fomos almoçar fora. Ele passa o dia vendo desenhos na televisão. Também vou pedir para a professora liberá-lo durante uma semana e vou levá-lo para passar uns dias comigo em Goiás”, completou.
PCDF capacita líderes
Em comemoração ao dia em que a Lei Maria da Penha completa 11 anos, a Polícia Civil lança, hoje, o Projeto Lidera – Empoderar para Multiplicar no auditório do Complexo da PCDF, no Sudoeste, às 14h. A ideia é orientar líderes comunitários a enfrentar a violência contra a mulher. A capacitação terá duração de três dias.
Família aconselhava pelo divórcio
Ao tentar descrever a tragédia, o pai da vítima, Paulo Henrique dos Santos, perde as palavras durante a entrevista. “Me sinto lesado, passado, parece que não estou pisando no chão, estou flutuando há quatro dias. Não consigo descrever a dor, estamos completamente arrasados”, acrescentou.
Paulo lembra que a filha parecia ter uma boa relação com o marido. Porém, essa impressão mudou com o passar do tempo. “Ele mudava de humor quando chegávamos na casa deles, não aceitava a nossa família. Depois, descobri que ele proibia meu neto de vir me visitar. Desde então, comecei a aconselhá- la a pedir o divórcio, mas ela temia que o esposo fizesse algo contra a gente. Minha filha dizia que daria até a vida pelos pais e assim fez”, afirmou.
Para ele, o crime foi todo premeditado. No dia anterior, a vítima encontrou a família e comentou que estava feliz porque o companheiro havia aceitado o término do casamento. “Ele pediu uma semana para se demitir do emprego e voltar para o Maranhão. Disse ainda que daria uma quantia para ela. Minha filha estava comemorando sua liberdade. Tenho certeza que ele a testou. Como ela disse que queria a separação, ele a matou. Foram 20 facadas no pescoço, nas costas, em todo o corpo. Depois que ela já caiu morta no chão, ele continuou”, acrescentou.
A tia da jovem, a cuidadora Leide Maria dos Santos, 59, ressalta a covardia do autor. “Esse homem ainda teve a coragem de dizer que a matou para defender sua honra”.
Já a mãe Cristina Maria Feitosa, 46, visivelmente emocionada, pede justiça. “Quero que esse homem apodreça na cadeia”, finalizou a dona de casa. A família lembra que o suspeito é acusado de outro homicídio no Maranhão, também por ciúme. Os parentes esclarecem ainda que, apesar de a vítima ser conhecida como Fernanda, todos os seus documentos levavam seu nome verdadeiro.