Desde 2018, Goiás é o 4° estado que mais gasta com constelação familiar; entenda a prática
Método prevê que origem dos conflitos nas relações está ligada à ancestralidade e usa uma técnica de representação espacial das relações familiares que permite identificar bloqueios emocionais de gerações ou membros da família
Em 2018, o Ministério da Saúde incluiu a constelação familiar nas Práticas Integrativas Complementares (PICs) ofertadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Desde então, segundo levantamento do Jornal Opção, foram realizadas mais de 30 mil sessões de constelação pelo SUS no Brasil. Os dados, atualizados até 2023, são do Sistema de Informação em Saúde para a Atenção Básica (SISAB).
Dentre os estados que mais registraram atendimentos, Goiás aparece em 4°, atrás apenas do Rio Grande do Sul (1°), São Paulo (2°) e Santa Catarina (3°). Em Goiânia, o Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (UFG), vinculado à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) realiza, mensalmente, o Grupo de Constelações Familiares.
O método foi proposto pelo missionário católico alemão Bert Hellinger, que não possui formação na área de saúde mental, em 1978. Para ele, a origem dos conflitos nas relações está ligada à ancestralidade e usa uma técnica de representação espacial das relações familiares que permite identificar bloqueios emocionais de gerações ou membros da família.
Com isso, Hellinger estabeleceu as três ordens do amor que seriam a base da estrutura familiar: o direito ao pertencimento à família, a hierarquia e o equilíbrio entre dar e receber. As duas maiores associações de terapia sistêmica na Alemanha, a DGSF e a SG, no entanto, externaram críticas aos métodos de Hellinger. No Brasil, a prática não é reconhecida pelo CFP (Conselho Federal de Psicologia), que emitiu nota sobre o assunto em 2023.
A portaria nº 702 de 2018 destaca que a prática pode ser indicada para pessoas de todas as idades e classes sociais, sem vínculo religioso. Na época, o Conselho Federal de Medicina (CFM) emitiu nota sobre as 10 novas modalidades de terapias alternativas incluídas no SUS. Segundo o CFM, tais terapias não têm comprovação científica, além de considerar que existem outras prioridades para uso da verba pública. Veja abaixo.
O ano que mais registrou constelações pelo SUS no período foi 2022, com mais de 11 mil no país. Apesar do crescimento no número de atendimentos, o psicanalista Fernando Reis analisa que a técnica tem se mostrado bastante inadequada e antiética enquanto um método de tratamento em saúde mental. “Causa sofrimento psíquico. Além disso, existe uma série de questões que são muito complicadas, principalmente quando toca em vítima de violência sexual ou de um modo para lidar com traumas pela via de uma de uma certa obrigatoriedade de perdão”, problematiza Fernando Reis.
De acordo com o psicólogo, a técnica “caiu nas graças” do sistema judiciário há alguns anos atrás, na área de mediação, e tem sido utilizada em inúmeras decisões judiciais no país. Desde 2012, essa técnica tem sido aplicada no Brasil para mediação de conflitos como divórcios, guarda de filhos, alienação parental e pensão alimentícia, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Como exemplificado por Fernando, em um caso de estupro o juiz pode usar a consteção para promover uma conciliação entre a vítima e o agressor. Outro exemplo: uma mulher é agredida pelo marido e está com um processo de separação e pedido de guarda das crianças.
O juiz, durante sessão de conciliação, questiona se teria ou não um acordo entre as partes. Caso não tenha, segue para o litigioso. Para os juristas que utilizam a técnica, a constelação familiar pode ajudar a identificar a raiz dos conflitos e buscar uma solução que vá além das questões jurídicas formais. Isso pode levar a acordos mais satisfatórios para ambas as partes, reduzindo a necessidade de litígios prolongados.
“Ela [constelação] ganhou uma repercussão midiática extensa e, ao mesmo tempo, superficial que fazia uma propaganda positiva e acabou entrando inclusive no SUS enquanto metodologia que precisava ter sido melhor estudada antes de ser propagada da maneira como foi”, analisa Fernando Reis.
As constelações familiares, ao dramatizarem conflitos, buscam revelar questões pontuais mal resolvidas dentro da história familiar, como mortes precoces, perdas e rupturas, que podem influenciar de forma inconsciente os comportamentos futuros dos membros da família. É amplamente utilizada em mais de 50 países pelo mundo, e no Brasil (em pelo menos 16 Estados e o Distrito Federal). Muitas comissões de direito sistêmico de advocacia estão atuando de forma eficiente (há pelo menos 117 Comissões no país, sendo vinte estaduais, mais o Distrito Federal).
Embora não substituam outras formas de psicoterapia e mediação, juízes e psicólogos que defendem a prática afirmam que esses traumas são frequentemente identificados em intervenções rápidas, de meia a uma hora, realizadas em dramatizações coletivas ou sessões individuais sigilosas. Essas intervenções permitem às pessoas enxergar seus conflitos sob uma nova perspectiva e despertar empatia pelas outras partes envolvidas na disputa.
Para o judiciário, a excessiva jurisdicionalização de conflitos, está em razão do costume de acionar a Justiça para qualquer tipo de assunto, dos mais irrisórios aos mais complexos. Somente em 2023, o Judiciário analisou 33,2 milhões de processos, o que corresponde a um aumento de 11,03% em relação a 2022.
Por fim, o psicólogo Fernando Reis conclui que não aconselha o uso das constelações familiares. “Na minha prática clínica o que eu vejo acontecer é uma produção de insights meio que forçados e que deixa o sujeito pensando ‘o quê que eu vou fazer com essa informação sobre a minha vida?’ O sujeito acaba tendo que fazer o que com isso que entre aspas descobre na constelação familiar? Vim para uma análise, vim pra uma psicoterapia e lidar com isso”, pontua Reis.
Polêmico, o assunto voltou à discussão pública recentemente após a cantora Anitta postar, no início do mês, uma foto de sua tatuagem que representa uma constelação familiar. “Nesse símbolo, como se fosse uma árvore genealógica, sou eu no meio, o bonequinho com o coraçãozinho que significa que eu tenho sempre a força do amor dentro de mim. E aí de um lado fica o pai, de outro lado a mãe e as estrelinhas significam a constelação familiar, os outros integrantes da minha família”, explicou a cantora.
Como é uma sessão de constelação familiar?
A sessão de constelação familiar começa com um pedido de uma pessoa que está enfrentando alguma questão ou problema e busca uma pessoa capacitada para realizar o trabalho. Quando a constelação é em grupo, a pessoa escolhe representantes para desempenhar papéis, como em um teatro, das pessoas ou situações que precisa trabalhar.
Por exemplo, se a questão envolve um problema com a mãe, ela pede para uma pessoa representá-la e outra para representar a mãe. Se tem dores crônicas, escolhe alguém para representar o sintoma. Durante esse processo, trazendo representações, a pessoa começa a entender melhor o que acontece em sua vida.
Cada representante sente, dentro do campo de constelações, as sensações e emoções necessárias para trabalhar a questão. Esse processo utiliza técnicas, frases específicas, músicas e outros recursos, liberando as questões da pessoa. A pessoa pode observar de fora ou participar diretamente. Ela tem constatações sobre seus processos e traz do inconsciente para o consciente aspectos desconhecidos de sua vida.
É o que explica Maria Angélica, psicóloga desde 1982 e facilitadora de constelações sistêmicas. “A constelação busca trazer à consciência aquilo que se desconhece, muitas vezes relacionado à família e ancestrais, mostrando como situações do passado que não foram resolvidas podem se repetir no presente”, destaca a especialista.
Segundo seu relato, muitas coisas são reveladas, mas algumas não, porque aquilo que ainda não se pode suportar não vem ao consciente. “Muitos bloqueios, doenças e problemas que a gente tem são coisas que a gente pode estar carregando dos nossos ancestrais”, explica Maria Angélica.
A psicóloga, que utiliza a técnica em seu atendimento clínico, explica que pessoas com problemas de saúde mental têm uma necessidade de se aprofundar nas questões que estão provocando os problemas. “Por exemplo, a depressão tem a ver com um vazio muito doloroso, uma dor que gerou um vazio, provavelmente tem a ver com um trauma. Além de tomar remédio, ela precisa entender com profundidade o que gerou a depressão dela”, destaca.
Foi exatamente o que aconteceu com Mariana (nome fictício), que participou de uma sessão, mas optou por não se identificar. No início, ela conta ao Jornal Opção, que a consteladora questionou o que tinha levado a jovem até ela. “Você sente dificuldade no seu campo financeiro ou profissional? Se você puder resumir em pouquíssimas palavras para eu entender melhor”, iniciou a profissional, que atuava em sessões e ministrava cursos na área.
“Uma depressão que carrego há 10 anos”, respondeu Mariana. No mesmo momento, quem conduzia a sessão pausou e disse que a cliente não precisava falar mais nada. A jovem conta que o final do atendimento se resumiu em identificar o trauma que, ao longo de sua história, a levou a desenvolver aquele sentimento.
“Tem casos que são muito complexos e muitas vezes dependendo de como a pessoa está a gente não faz uma constelação”, frisa a psicóloga Maria Angélica. Apesar de utilizar a prática em seus atendimentos, ela não recomenda para todos os casos. “A gente não deve provocar algo que possa desequilibrar as pessoas”.
Stela Rick, terapeuta vibracional e consteladora sistêmica familiar, afirma que pratica constelação há 7 anos e já presenciou diversas curas e libertações tanto em questões de sintomas físicos, como doenças de pele, transtorno bipolar, traumas e bloqueios no geral. O método utilizado por ela tem raiz na estrutural, porém acrescida de uma técnica chamada “constelação da intenção”, ao qual estudei com o Professor Alemão PHD em Psicologia Organizacional, Dr. Franz Rupert.
“Ele estuda sobre os efeitos profundos do Trauma e escreveu alguns livros a respeito. Nesta constelação o constelado traz uma frase de intenção, o que traz mais força para o movimento e a partir daí identificamos os emaranhamentos simbióticos e as suas dissociações (por traumas) onde normalmente é identificado que ela vive com rupturas em sua identidade (parte traumatizada, parte sobrevivente e parte saudável), para assim fazer as devidas intervenções na integração dessas partes traumatizadas da psiquê. O que minimiza também o risco de retraumatização”.
Constelação familiar é pseudociência?
A constelação está intrisicamente ligada à biologia, especificamente as ideias do biólogo Rupert Sheldrake. Sheldrake propõe a ideia dos campos morfogenéticos, os quais ajudam a compreender como os organismos adotam as suas formas e comportamentos característicos. O vitalismo sustenta que em toda forma de vida existe um fator intrínseco, evasivo, inestimável e não sujeito a medidas que ativa a vida.
O campo morfogenético refere-se a um campo de informação não físico que organiza a estrutura e o comportamento dos sistemas vivos. Segundo essa teoria, cada família possui um campo morfogenético único, transmitido através das gerações, que influencia as dinâmicas familiares. Esse campo contém informações sobre relacionamentos, papéis, crenças e traumas familiares, moldando a forma como os membros da família se relacionam entre si.
Os campos morfogenéticos exercem uma influência significativa nas relações familiares, podendo transmitir padrões repetitivos de comportamento, traumas não resolvidos e características físicas ou emocionais semelhantes entre os membros. Por exemplo, um indivíduo pode enfrentar dificuldades de relacionamento similares às de seus pais ou reproduzir comportamentos de um antepassado distante, mesmo sem estar consciente dessas influências.
O organicismo ou holismo recusam que os fenômenos da natureza possam ser reduzidos exclusivamente às leis físico-químicas, pois estas isoladas ou conjuntamente não podem explicar a totalidade dos fenômenos vitais. Por outro lado reconhece a existência de sistemas hierarquicamente organizados com propriedades que não podem ser entendidas por meio do estudo de partes isoladas, mas em sua totalidade e interdependência. Daí o termo holismo, da palavra whole = todo em inglês.
Existem alguns tipos de constelação, como: estruturais, auto-poética, reconstrutiva, movimento do espírito, constelação com cavalos, com bonecos na água e etc.
Sociólogos e psicólogos, no entanto, criticam o método da constelação, classificando-o como pseudocientífico e afirmando que ele ignora os princípios das ciências sociais e da psicologia, além de potencialmente violar direitos humanos e reforçar estereótipos de gênero. Eles alertam que a prática pode agravar estados emocionais de sofrimento ou desorganização psíquica.
Alguns cientistas relatam que a constelação não passa pelas etapas de todo o método científico, que são: 1) observação 2) pergunta 3) pesquisa 4) hipótese 5) experimentação 6) análise de dados 7) publicação para a comunidade científica e replicações 8) conclusão (hipótese validada ou não).
“Em 20 anos de trabalho com as constelações, nunca aconteceu com as pessoas que eu atendi, agravamento de estados emocionais de sofrimento ou desorganização psíquica. Muito pelo contrário, nestes anos todos só tive bons resultados”, acrescenta Maria Angélica Soares.
Apesar dos bons resultados descritos pelos consteladores, não há evidências científicas robustas que comprovem a eficácia da constelação familiar como método terapêutico.
“Já vimos isso em nossa História, assim como todo novo conhecimento que surge, vem com ele as resistências e os questionamentos a respeito. Essa abordagem terapêutica foi criticada, alegando nao ter base científica, porém acredito estar pautada pelos preceitos quânticos. A constelação nao é uma pílula de cura, também não se trata de uma filosofia mas sim uma observação empírica da vida. Stela Rick.
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