Violência nas eleições: “Não é coragem, é desrespeito”, diz especialista
Segundo especialista, a violência política tem sido usada como uma estratégia de campanha para tirar o foco do que realmente importa ao eleitor e à cidade: programa de governo que responda às necessidades da população
Robson Carvalho é professor, sociólogo pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e cientista político pela Universidade de Brasília (UnB) – (crédito: Reprodução)
O Brasil tem assistido a episódios explícitos de agressões, inclusive físicas, durante debates entre candidatos às eleições municipais. Nas coberturas midiáticas e nas redes sociais, a cadeirada do candidato a prefeito de São Paulo José Luiz Datena (PSDB) em Pablo Marçal (PRTB), e o soco dado pelo assessor de Marçal no marqueteiro do atual prefeito Ricardo Nunes (MDB) são temas predominantes.
Em entrevista ao Correio, o cientista político Robson Carvalho, professor na Universidade de Brasília (UnB), classifica o modo como candidatos se comportam, pautando seus atos pelo uso das redes sociais, como algo para se lamentar. “Temos, claramente, episódios de violência, mas que são intencionalmente provocados. Trata-se de uma estratégia lamentável, na qual ‘lacrar’ acaba sendo a oportunidade que os candidatos têm para tentar repercutir e alcançar um público maior”, comenta Robson Carvalho. Confira trechos da entrevista:
Por que a violência tem sido utilizada tão explicitamente na política?
Esse tipo de comportamento — de provocar outros candidatos até tirá-los do sério para causar uma cena — é utilizado como estratégia de campanhas eleitorais. Eles possibilitam a criação de “cortes”, como são chamados os vídeos de curta duração com declarações polêmicas, que circulam pela internet. É lamentável. Essa distração é boa para quem faz menos do que promete e para quem consegue chegar ao poder através da violência.
De que forma isso acontece?
O agressor usa a violência para se colocar em uma posição de revolta contra a política tradicional e, para muitos, isso soa como corajoso. Não é coragem, é desrespeito. Mas até isso é convertido em outra linguagem: a falta de compromisso com os demais candidatos entra em uma lógica, para essas pessoas, de que os adversários são todos iguais e só ele – o agressor – está ali, enfrentando o ‘sistema’ sozinho. O ex-presidente Jair Bolsonaro já se utilizou desse recurso, e agora vemos o mesmo em Pablo Marçal. E, apesar de querem criar essa imagem, eles nunca foram antissistema. Eles são candidatos do sistema formados dentro das estruturas de poder.
E por que repercute?
A notícia ruim repercute mais do que a notícia boa. Então, as declarações polêmicas e a violência geram mais visibilidade do que a discussão sobre as propostas. Esse comportamento, intencional ou não, desvia o foco do que é importante e a essência do debate acaba se perdendo. Esse artifício é utilizado como estratégia de campanha por candidatos que não têm propostas e que não sabem muito sobre a cidade, no caso das eleições municipais. E acabam dominando as conversas na internet, nas ruas, no ambiente familiar, nas rodas de amigos.
É possível traçar um perfil das pessoas que engajam nesse tipo de conteúdo?
Uma parte do público que consome o conteúdo produzido a partir dessas ‘lacrações’ tem o perfil de estar cansado de políticos e da política. Eles acreditam que o rompimento do debate público e a anulação da política são formas de protesto. Mas há um agravante nisso. Diferente de apenas consumir conteúdo sangrentos, seja na tevê ou na internet, votar traz consequências. O voto é para a democracia representativa como a procuração é para a justiça. Votar em alguém é como dar àquele político uma procuração para que ele tome decisões em seu nome. Imagine a democracia como um grande prédio, onde o voto compõe a base da construção. Se essa decisão não é feita com responsabilidade e consciência, todo o resto sofrerá impactos, se o edifício conseguir se manter em pé.
O que pode e deve ser feito para que a prática de agressão física seja evitada?
No caso recente de Pablo Marçal, o ideal seria exclui-lo dos debates. Ter que pregar cadeiras no chão, contratar mais seguranças, tudo isso por causa de um candidato faz com que esse sensacionalismo barato seja alimentado, e cria uma expectativa ruim sobre como será o debate. O diálogo político não é espaço para espetáculos. Não podemos permitir que isso seja naturalizado. Quando o debate é rompido com esse tipo de violência, nos afastamos da democracia e caminhamos em direção a barbárie. A política não é a arte do fazer individual, é a parte do coletivo. E, para que ela ocorra, a palavra essencial é o diálogo: o enfrentamento com respeito.
Pode-se dizer que a violência virou uma estratégia de campanha?
É exatamente isso. Virou uma estratégia lamentável de campanha, que só favorece aquele que não tem propostas para apresentar. Quando você parte para a violência para tentar ‘lacrar’, você acaba gerando uma cortina de fumaça, e tira o foco do que realmente é importante para o eleitor e para a cidade. É provocação gratuita e barata criada para repercutir, principalmente nas redes sociais. Essa forma de comunicar está conectada com a extrema direita. Foi assim na gestão de Bolsonaro, na de Donald Trump nos Estados Unidos, repetida por Boris Johnson no Reino Unido, e praticada por Javier Milei, na Argentina. Diversos personagens que utilizam do mesmo modus operandis, as mesmas ferramentas.
Essa ‘cortina de fumaça’ pode ameaçar a democracia?
Sem dúvidas há um forte interesse político por trás disso, e ele está conectado diretamente com as redes sociais. Essas plataformas amplificam discursos relacionados ao ‘neofascismo’ e ‘neonazismo’, como são conhecidas a ‘nova fase’ do fascismo e do nazismo. Em 2022, o deputado Kim Kataguiri (União-SP), no mandato anterior, chegou a defender a criação do partido nazista. Algo absolutamente absurdo. Infelizmente, dentro e fora da política, há pessoas que se identificam com esse tipo de pensamento, acham isso é normal e democrático, mas não é. São perigosos. O nazismo entrou na Alemanha pelas portas da democracia e, alcançando o poder, se tornou o que vemos na história.
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