MP arquiva investigação contra Demóstenes

O Ministério Público pede arquivamento de investigação de lavagem de dinheiro contra Demóstenes Torres na Operação Monte Carlo. Investigações apontam para inocência do goiano e mostram que denúncias podem ser armação política

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O Ministério Público Estadual determinou o arquivamento da investigação de lavagem de dinheiro contra o ex-senador Demóstenes Torres. O pedido foi baseado nas perícias realizadas na vida financeira do político, reveladas com exclusividade pelo Diário da Manhã, que apontaram a inocência de Demóstenes e descartaram qualquer possibilidade de enriquecimento ilícito. A série de revelações sobre o desenrolar da Operação Monte Carlo indica que a cassação de Demóstenes foi um dos maiores erros da história política do País.

Uma fonte no Ministério Público de Goiás entregou o documento assinado pela subprocuradora-geral de Justiça para Assuntos Jurídicos em substituição, Carmem Lúcia Santana de Freitas, e também pelo procurador-geral de Justiça, Lauro Machado Nogueira, datado em 10 de setembro de 2014. Nele, é solicitado o arquivamento da denúncia contra Demóstenes após a realização de uma verdadeira devassa nas contas do ex-senador.

“(O) Ministério Público, nos termos do artigo 15 da resolução nº 13/2006 do Conselho Nacional do Ministério Público, requer o arquivamento dos presentes autos, no que tange ao crime de lavagem de dinheiro”, e continua mais adiante: “Com o escopo de se apurar o ilícito contra a ordem socioeconômica, procedeu-se a análise dos elementos colhidos nas medidas judicialmente autorizadas, de afastamento dos sigilos bancários e fiscal do denunciado. Todavia, as conclusões levadas a cabo nos relatórios de análise (…) não se mostraram aptas para o escopo de se imputar a prática do crime de lavagem de capitais”, afirma o Ministério Público.

As análises mencionadas no pedido de arquivamento da acusação contra Demóstenes foram realizadas em informações provenientes do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) entre os anos de 2005 e 2012, dados cartorários, gastos com cartões de crédito e tudo mais que diz respeito à sua vida financeira. O resultado da perícia revelado pelo DM tinha como objetivo responder a cinco perguntas elaboradas pelo subprocurador-geral de Justiça para Assuntos Jurídicos do Ministério Público de Goiás, Spiridon Nicofotis Anifantis. Na primeira pergunta, o subprocurador questiona se “há compatibilidade entre a renda declarada pelo investigado (Demóstenes) e a sua evolução patrimonial”. A resposta foi taxativa. “Sim. Os dados fiscais evidenciam que a evolução patrimonial do investigado é compatível com seus rendimentos auferidos no período analisado”.

A perícia é clara: Demóstenes não obteve nenhum ganho fora do salário e lucros de investimentos legais e devidamente informados à Receita Federal. Provado que Demóstenes não recebeu qualquer dinheiro que não fosse fruto do próprio trabalho, o Ministério Público pediu o arquivamento da denúncia. Assim, jogando por terra a principal acusação que recaiu sobre o então senador durante os duros ataques midiáticos a que Demóstenes foi submetido no período do vazamento ilegal dos grampos da Operação Monte Carlo.

A perícia também abordou outras questões. A segunda pergunta do Ministério Público diz respeito às movimentações bancárias de Demóstenes. “Há compatibilidade entre a renda declarada e as movimentações bancárias e demais transações financeiras do investigado?”. Novamente, a resposta não deixa margens para dúvidas: “Sim. O montante transacionado pelo investigado em suas contas bancárias no Banco do Brasil ficou, em média, 11%, inferior aos seus rendimentos brutos apurados no período de 2005 a 2012”.

O terceiro questiona se existem bens que não foram declarados por Demóstenes no Imposto de Renda. “Há bens identificados através do dossiê integrado e que não estão declarados no Imposto de Renda do Investigado?”. A resposta confirma que Demóstenes não sonegou à Receita Federal qualquer bem: “Não. Não foi constatada, pela consulta no dossiê integrado, a existência de bem não declarado pelo investigado à Receita Federal do Brasil”.

A quarta questão visava descobrir quaisquer depósitos atípicos nas contas de Demóstenes que poderiam estar relacionados a atividades ilícitas. “Houve acréscimo patrimonial atípico na(s) conta(s) do investigado?”. A resposta, mais uma vez, é negativa: “Não. Todos os créditos observados nas contas bancárias analisadas tiveram como origem as pessoas jurídicas declaradas pelo investigado como fonte de sua renda”.

A quinta e última pergunta diz respeito a possível empréstimos contraídos ou concedidos por Demóstenes. “Nas declarações de imposto de renda apresentadas pelo investigado houve referência acerca de eventual empréstimo contraído ou concedido pelo referido investigado?”. A resposta foi positiva. Demóstenes realizou empréstimo para própria filha e doação para uma neta, além do financiamento que realizou junto ao Banco do Brasil para comprar o apartamento em que vive atualmente. Tudo devidamente declarado ao fisco federal.

A perícia constata que o apartamento em que Demóstenes hoje reside, e que foi objeto de questionamento pela imprensa nacional, está financiado e com todas as suas prestações pagas por seus rendimentos como procurador de Justiça ou senador da República, como aliás Demóstenes havia afirmado no Conselho de Ética do Senado Federal. Inclusive apresentando os extratos bancários na oportunidade.

O policial federal Fábio Alvarez já havia afirmado o que o Ministério Público acaba de atestar. O policial afirmou à Justiça em julho de 2012 que “Demóstenes não tinha relações com o jogo”. A declaração foi concedida durante audiência marcada para ouvir testemunhas e réus da Operação Monte Carlo. O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, e sua esposa, a subprocuradora-geral da República para Assuntos Criminais, Cláudia Sampaio, já haviam chegado à mesma conclusão, ou seja, Demóstenes Torres nunca havia participado de qualquer esquema referente a jogos.

Cortina de fumaça para políticos graúdos

A inocência de Demóstenes, cada vez mais comprovada com o desenrolar jurídico da Operação Monte Carlo mostra que o então senador foi sacrificado para evitar que outros políticos pudessem ser identificados e punidos. A cassação de Demóstenes colocou panos quentes no escândalo, acalmando a imprensa e tirando das manchetes outros importantes políticos do País.

O vazamento sistemático de grampos pinçados da Operação Monte Carlo colocou políticos de diversas cores partidárias em uma situação pouco confortável. O método utilizado na divulgação dos áudios indica que Demóstenes Torres era o principal alvo da ação. Entretanto, vários nomes importantes da política nacional foram tragados conforme a história foi revelada. Cinco governadores foram envolvidos no escândalo: Sérgio Cabral (RJ), Agnelo Queiroz (DF), Siqueira Campos (TO), SilvalBarbosa (MT) e Marconi Perillo. Políticos importantes em Goiás também foram citados, como o ex-prefeito de Goiânia e agora candidato ao governo, Iris Rezende, os deputados federais Leonardo Vilela, Sandes Júnior, Thiago Peixoto e Carlos Alberto Leréia, o prefeito de Aparecida de Goiânia, Maguito Vilela, o então prefeito de Anápolis e candidato ao governo no primeiro turno, Antônio Gomide, e dezenas de deputados estaduais e vereadores.

O Partido dos Trabalhadores tem um envolvimento ainda muito obscuro em todo o processo. A presidente Dilma Rousseff, Lula e os mensaleiros, alvos cotidianos dos ataques do ex-senador goiano a cada novo escândalo no governo federal, chegaram à conclusão de que livrar-se dele seria remover um estorvo à reeleição da presidente Dilma e, ao mesmo tempo, tentar afetar a opinião pública durante o julgamento do mensalão, que se aproximava com más perspectivas. O passo seguinte foi a CPI do Cachoeira, antes vista com maus olhos pelo próprio governo com receio de dinamitar a Delta, uma das empreiteiras que mais receberam recursos do governo federal, com a qual Cachoeira mantinha estreitas relações comerciais, poderia respingar em toda administração petista, além de vários governos estaduais alinhados.

Do sangramento público de tantas autoridades em Brasília, surgiu uma espécie de acordo político. Conduzir Demóstenes ao cadafalso iria aplacar a sede da população, que menos de dois anos depois realizaria protestos por todo o País. A cassação de Demóstenes esfriou a cobertura do noticiário e a CPI do Cachoeira acabou sem qualquer conclusão importante sobre a relação do empresário com os demais políticos alinhados ao PT citados na operação.

Quem devolverá o mandato do ex-senador?

Demóstenes Torres é respeitado até mesmo pelos inúmeros adversários que conseguiu ao longo de uma carreira política de destaque no Senado Federal. Não por menos, praticamente todos os senadores ergueram a voz contra as acusações que surgiram contra o colega goiano nas primeiras gravações criminosamente divulgadas por meio da Operação Monte Carlo. Não acreditavam que um dos mais produtivos senadores do País estivesse envolvido em um escândalo.

Uma pena que a opinião dos parlamentares esteja tão suscetível ao humor da mídia e pouco ancorada no caráter. E quem arquitetou o plano sabia muito bem disso. A cada nova gravação, que nada dizia, mas muito insinuava, os políticos mudavam de posição, sempre escorados no que pareceria melhor aos olhos da população por trás das câmeras de televisão – ou, em muitos casos, o que melhor atendia o interesse próprio.

Nesse ritmo de caça às bruxas, o Senado adquiriu uma eficiência nunca vista quando o tema em questão se trata de algo do interesse direto da população. Escolheram o senador petista Humberto Costa como relator do processo. Logo um nome envolvido no Escândalo dos Sanguessugas, combatido com a energia habitual de Demóstenes. Um prato cheio, uma vez que Humberto poderia se vingar do antigo algoz e também usar o processo de cassação como trampolim político para disputar a prefeitura de Recife. Pelo menos a segunda parte do plano não deu certo, o petista foi rechaçado nas urnas pela população.

O rito sumário foi eficaz. Demóstenes perdeu o mandato e Goiás ficou sem o seu principal nome em Brasília. Mais de dois anos após todo o circo midiático armado em torno da Operação Monte Carlo, a Justiça vai, aos poucos, admitindo a inocência de Demóstenes. A pergunta que fica é: quem irá devolver a Demóstenes Torres o mandato de senador? O Ministério Público, que tanto alarde fez na hora de apresentar as acusações, manda arquivar a denúncia com o recato de uma freira. A imprensa, tão entusiasmada em chafurdar na lama de uma operação que deveria ser questionada por investigar um parlamentar sem autorização do Supremo Tribunal Federal, agora perde todo o ímpeto de Justiça.

A verdade implicaria em um custo alto demais para essas pessoas: significaria admitir que estavam errados. A maioria espera que a burocracia jurídica do País se estenda indefinidamente, até que o problema de memória do brasileiro jogue todo o caso em um passado remoto. Infelizmente para eles e felizmente para o Brasil, a verdade começa a ser revelada. Apesar de tudo, uma pergunta continua: quem irá devolver o mandato de Demóstenes?

(fonte:Diário da Manhã – Helton Lenine) edição de André Silva

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