Com drenagem paralisada, inundações se agravam

A mesma burocracia e o jogo de empurra que atrasaram as reformas no viaduto da Galeria dos Estados prejudicam a implementação de um novo sistema de drenagem pluvial na cidade. O projeto para melhorar o escoamento da água das chuvas no Plano Piloto e em Taguatinga existe desde a gestão passada e deveria estar pronto, mas a falta de sintonia entre o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e o Governo de Brasília empacou o progresso.
Em épocas de precipitações como agora, onde pancadas de chuva intermitentes umidecem as tardes brasilienses, a quantidade de poças aumenta e o risco de enxurradas também. As típicas cenas de tesourinhas alagadas, carros enguiçados e cobertos d’água em Brasília são complementadas por casas inundadas e ruas interditadas em regiões administrativas com pior sistema de drenagem, como Ceilândia e Taguatinga.
A primeira versão do que hoje é o Drenar DF foi pensada durante o governo de Agnelo Queiroz (PT), entre 2011 e 2014, chamado à época de Águas do DF. Houve resistência do Iphan por acreditar que alguns pontos feriam o tombamento urbanístico da cidade. Em março de 2016, Rollemberg prometeu readequar o projeto e previu que começaria a ser implementado ainda naquele ano.
Contradições
Dois anos e muitos alagamentos se passaram, os mais recentes há poucas semanas, mas rigorosamente nada saiu do papel. Procurada, a Secretaria de Infraestrutura e Serviços Públicos (Sinesp) informou que o responsável pelo projeto não poderia atender a reportagem, mas, por meio da assessoria, afirmou aguardar autorização do Iphan para a captação de recursos.
“As obras têm prazo de duração estimado de 24 meses, contados a partir do início dos serviços. O investimento total previsto é de R$ 259,3 milhões”, respondeu a secretaria, por meio de nota. O problema é que faltou combinar com o Iphan. Questionado sobre a tal autorização, o órgão alegou ainda não ter recebido o projeto definitivo referente à área tombada e citou “pendências no que tange aos aspectos urbanísticos e paisagísticos” do estudo apresentado pelo governo.
Confrontada novamente, a Sinespe bateu o pé sobre apenas esperar uma posição do Instituto e detalhou que as sugestões do órgão ao projeto formulado pela pasta encareceriam os trabalhos em pelo menos R$ 25,2 milhões. Estranhamente, a conclusão dessa nova nota contradisse a alegação inicial de que só faltava o OK do Iphan. “O governo está trabalhando de forma alinhada para resolver a questão o quanto antes”, termina a segunda resposta.
Politicagem versus drenagem
As questões políticas são o grande entrave para o melhoramento da drenagem pluvial, acredita o especialista Marcelo Resende, professor de Engenharia Ambiental da Universidade Católica de Brasília (UCB). Segundo ele, as obras em si não devem tomar tanto tempo, mas a captação e a aplicação dos recursos dependem de fatores alheios a critérios técnicos.
“Vai causar certo transtorno quando começarem os trabalhos, mas não costuma demorar tanto”, complementa. O especialista afirma que a prioridade do projeto deve ser os pontos em Taguatinga que ainda carecem de qualquer rede de drenagem. Em seguida, onde a captação e o escoamento existem, mas são precários e, por fim, as áreas já atendidas, mas com sistema ineficiente.
“Tomara que saia do papel. Só fazendo a manutenção da rede pluvial, consegue-se fazer escoar de 20% a 30% das aguas de chuva, isso só com limpeza das tubulações”, observa. Ele diz que, caso haja negligência como no caso do viaduto da Galeria dos Estados, não existe risco de desabamentos ou quedas de material, mas casos recorrentes de alagamentos e enxurradas podem piorar.
“Uma vez um ônibus escolar ficou preso em Ceilândia em uma inundação de um viaduto e uma criança morreu afogada. Na área das tesourinhas, quantas pessoas já não passaram por problemas ali? Pode chegar a uma situação de alguém morrer também”, faz o alerta.
