PAULA BELMONTE DÁ INÍCIO À MISSÃO PELA PRIMEIRA INFÂNCIA INDÍGENA

Impressionada com o abandono, a deputada federal destacou que é necessário promover estudos de preservação das tradições, da etnia e principalmente da dignidade dos indígenas

A partir deste mês, a deputada federal Paula Belmonte (Cidadania-DF) aceitou a missão de desbravar a primeira infância indígena do Brasil. A ideia é chamar a atenção das autoridades, a nível federal, sobre a importância dos 896.917 mil índios e as dificuldades que têm sido enfrentadas principalmente nessa fase. Do presente ao passado, a parlamentar vai analisar a conjuntura atual das crianças que vivem em aldeias e o processo histórico do índio, com a sua cultura, tradições e costumes. A tribo escolhida para iniciar a missão foi a dos Karajás, em Aruanã (GO).

“Muitas aldeias estão em terras totalmente isoladas, onde as pessoas passam por situações muito tristes, de pobreza. Entrei na política com a pauta da defesa das nossas crianças e adolescentes. Com os indígenas não será diferente. Minha compreensão em relação a esses povos é que todos somos brasileiros e irmãos, e estamos evoluindo juntos”, ressaltou a deputada.

Série 1

Até os seis anos de idade, mães e avós cuidam das crianças da aldeia Bdè Boré. Lá, a situação é precária, mas elas não passam fome e brincam quase o dia todo, mesmo sem brinquedos ou luxo. Com os pés descalços, correm pelo terreno com alguns animais. Quando os ancestrais dizem, na língua materna macro-jê, que está na hora de parar, não se ouve contestação. Castigo e palmadas não existem no cotidiano da criação Karajás. O que causou até certa estranheza em um dos meninos da tribo que conseguiu matrícula na escola de tori (branco) e foi repreendido.

“Homem não bate na criança, tudo é resolvido na conversa. Agora, vocês, tori, quando a criança teima já entra no cinto. Castigo também não tem”, explicou o cacique da aldeia, Tohobari.
Tohobari (50) se tornou cacique há sete anos, quando mudou para Bdè Boré com a mãe, esposa e três filhos. É professor indígena formado pela Universidade Federal de Goiás (UFG), mas reconhece que essa oportunidade ainda não é para todos os índios. “A situação é bem vulnerável. Nossa demanda é ter uma escola. Somente assim vamos ter educação indígena e fortalecer a cultura e a língua materna”, garantiu o representante da aldeia que atualmente está desempregado.

A iluminação em Bdè Boré é resultado do programa Luz para Todos. Mas não alcançou completamente o terreno de 330 hectares e suas 17 casas. Nem todas as 85 pessoas da aldeia contam com um lar adequado para sobreviver. O programa da Fundação Nacional do Índio (Funai) chegou e parou pela metade. Segundo os moradores, apenas cinco das dez casas prometidas foram construídas.

“Não sei se é projeto do governo. No passado, a Funai não soube aplicar o ensino para os indígenas. Ao invés de ter gasto tantos recursos querendo ensinar o índio a trabalhar na lavoura, que não é a cultura dele, podia ter aplicado em educação para que o indígena acompanhasse o desenvolvimento da população não índio”, relatou Valdeci Kohãloe Karajá.

A nova geração segue se adequando à realidade urbana. Um encaixe na sociedade por obrigação, como destacou a estudante representante dos jovens Bdè Boré, Loiwa Damazia Karajá, de 25 anos. “Se fosse por mim, queria viver no mato e ter a cultura de antigamente. Hoje em dia está muito difícil viver assim. A gente precisa prestar vestibular, fazer faculdade e trabalhar”, disse.

De acordo com os últimos dados, de 2016, do Ministério da Educação (MEC), 216.290 crianças estão matriculadas na educação indígena segundo etapas da educação básica e grandes regiões. Ao todo, 3.842 estão nas creches; 24.657 na pré-escola; 161.875 no ensino fundamental; 24.736 no ensino médio seriado e 1.180 no ensino médio não seriado.

Em Aruanã, as informações não são positivas. A índia Cristina Malauiru Brandão Karajá relatou que os brancos não aceitam os indígenas na escola, é difícil matricular as crianças da tribo e a escola que o cacique construiu na aldeia não está funcionando para educação indígena. “Dizem que nossos filhos são brigões, sendo que os filhos deles fazem briga entre eles. As autoridades não lembram do nosso povo e aqui somos todos eleitores”, ressaltou.

Impressionada com o abandono, a deputada federal destacou que é necessário promover estudos de preservação das tradições, da etnia e principalmente da dignidade dos indígenas. “Sinto que ficamos focados na bandeira tradicional do índio, mas faltam oportunidades de crescimento. Escutamos muitas coisas sobre os índios, mas não temos a oportunidade de conviver com aldeias próximas. Logo, a imprensa e os órgãos fiscalizadores nos apresentam um cenário ilusório, como se tudo estivesse bem”, refletiu.

Outra preocupação notada pela parlamentar é o aumento do número de suicídio entre os índios. Segundo informações do Ministério da Saúde, as taxas são maiores no país quando comparadas aos casos entre brancos e negros. A média nacional é de 15,2 registros por 100 mil habitantes, sendo 44,8% de jovens entre 10 e 19 anos. Um número três vezes maior que a média em todo o Brasil de 5,8 óbitos por 100 mil habitantes.

Cacique Tohobari explicou que o suicídio já é considerado normal entre os povos. “Uma mãe aqui na aldeia comprou dois shorts para cada filho. Um achou o do irmão mais bonito e tentou se matar”, contou o representante da tribo local, alegando que as interferências externas, dos toris, podem ser a causa para a mudança de comportamento dos jovens.

Atendimento psicológico é raro para os Bdè Borés. “Não estou prometendo nada, mas o meu compromisso é levar as demandas diretamente para o presidente da Funai e tentarmos auxiliar a situação indígena em Aruanã”, disse a deputada.

Dança da chuva

Os indígenas estão na lista dos agraciados pelos 17 objetivos da agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável. Um caminho adotado pelos Estados-Membro da Organização das Nações Unidas (ONU) rumo à erradicação da pobreza e redução das desigualdades. O objetivo 4 (4.5) é claro: “até 2030, eliminar as disparidades de gênero na educação e garantir a igualdade de acesso a todos os níveis de educação e formação profissional para os mais vulneráveis, incluindo as pessoas com deficiência, povos indígenas e as crianças em situação de vulnerabilidade.”

Na mesma semana da primeira expedição, a deputada federal esteve com o presidente da Funai, o general Franklimberg de Freitas, que garantiu uma agenda desenvolvimentista para cumprir com as políticas indigenistas, e buscar sempre proteger e defender os interesses desses povos.

A educação indígena fica a cargo do Ministério da Educação. “Temos 305 etnias e 274 idiomas. Em muitas escolas do Brasil existe a educação bilíngue, que permite ao indígena preservar sua cultura, tradição, a língua, conforme artigo 231 da Constituição Federal, e também o português”, explicou o presidente da fundação.

A luta dos Karajás de Bdè Boré é para que a cultura da tribo permaneça plantada na aldeia. Apesar de estarem na cidade, para eles, não há como mudar de lado. “Gostaria de dizer que a gente sente dor e vergonha, as consequências de tudo o que as pessoas falam. Sentimos muito no coração porque não somos diferentes, somos iguais. O que muda é a cultura, mas as pessoas precisam entender. Eu tenho orgulho de ser índio”, afirmou o cacique Tohobari.