“Narcoterrorismo permite intervenção no Brasil”, diz Sarrubbo

Secretário nacional de Segurança Pública afirma que igualar facções a terroristas atinge seriamente a soberania do país. Ele defende combater o "andar de cima" do crime

O secretário nacional de Segurança Pública, Mário Sarrubbo, diverge do governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, sobre o “sucesso” da megaoperação que deixou 121 mortos, inclusive quatro policiais. “Perdemos quatro profissionais da segurança pública, temos outros tantos feridos, e um, inclusive, teve que amputar a perna. Sob essa perspectiva, realmente não podemos pensar em sucesso”, afirmou, em entrevista aos jornalistas Carlos Alexandre de Souza e Ana Maria Campos, no CB.Poder, parceria entre o Correio e TV Brasília. Segundo ele, a prisão, e não a morte de suspeitos ajudaria na produção de provas contra o que chamou de “andar de cima” do crime organizado. “Na minha terra, em São Paulo, quando se chegou à Faria Lima, a gente falou no andar de cima. Então, no Rio de Janeiro, nós gostaríamos de chegar ali à Vieira Souto, ao Leblon”, ressaltou. “Sabemos que os líderes não moram nas favelas.”

Sarrubbo enfatizou que a segurança pública tem de ser tratada como assunto de Estado, não de governo. Não pode ser vista como questão ideológica. E alertou para o perigo de equiparar facções a terrorismo. “Permite, na verdade, intervenção externa no Brasil, mexe seriamente com a nossa soberania”, frisou. Ele ressaltou que a PEC da Segurança Pública não tinha poderes dos entes federativos e disse que a CPI do Crime Organizado contribuirá com o debate se deixar de lado a polarização. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Como avalia a megaoperação no Rio de Janeiro?

Uma operação que tem — e eu gosto sempre de começar por aqui — quatro policiais mortos, outros tantos feridos gravemente. Se nós tivéssemos só esses dados, já não teria sido uma boa operação. E aqui não é uma análise política, é uma análise técnica. Nós perdemos quatro profissionais da segurança pública, temos outros tantos feridos, e um, inclusive, teve que amputar a perna. Sob essa perspectiva, realmente não podemos pensar em sucesso. E o número de mortos, eu diria também, porque acho muito importante destacar que seria fundamental para o sistema de inteligência de segurança pública que se conseguisse prender essas pessoas, e não que elas morressem. Porque nós poderíamos interrogá-las, poderíamos produzir mais provas. Isso nos daria um caminho para que pudéssemos chegar ao andar de cima. Na minha terra, em São Paulo, quando se chegou à Faria Lima, a gente falou no andar de cima. Então, no Rio de Janeiro, nós gostaríamos de chegar ali à Vieira Souto, ao Leblon, ao andar de cima do crime organizado. E não estou querendo, evidentemente, dizer que no Leblon ou na Vieira Souto há criminosos. É que sabemos que os líderes não moram nas favelas, nas comunidades. Então, como foi em São Paulo, que chegamos à Faria Lima, queríamos chegar às coberturas, onde estão as verdadeiras lideranças ou os investidores do crime. Esse me parece ser um passo importante que tem que ser dado em nível de Brasil contra o crime organizado.

Como se deu a resposta do governo federal à ação?

A operação foi sem participação do governo federal. Quando nós tomamos conhecimento, é aquele momento de análise do que aconteceu. Por determinação da Presidência, estivemos no Rio de Janeiro no dia seguinte. Conversamos longamente com o governador do estado, com todas as autoridades de segurança, e combinamos que trabalharíamos juntos de forma integrada. Na verdade, potencializando algo que já existia, que é um trabalho integrado entre o governo federal, as forças federais e, em especial, o Ministério da Justiça e a Secretaria Nacional de Segurança Pública com a Segurança Pública do Rio de Janeiro.

Como é essa integração?

Nós já tínhamos projetos em andamento, em especial projetos ligados ao Comitê de Inteligência Financeira e Recuperação de Ativos, que é o Cifra. Em especial, o projeto Captura, que busca um banco de dados e uma sala específica para cuidar do cumprimento de mandados de prisão. Notadamente, porque se conhece e se sabia, já há muito tempo, que no Rio de Janeiro havia foragidos de vários estados do país. Então, esse trabalho de centralização, que a Secretaria Nacional exerce, é importante para que esses mandados possam ser cumpridos. E, claro, um outro projeto, também olhando para as divisas do estado, com foco específico no roubo de cargas e em especial com as questões envolvendo os fuzis que vêm de fora do estado do Rio de Janeiro. Alguns deles do exterior, outros produzidos dentro do Brasil artesanalmente, mas sendo entregues em grande escala no Rio de Janeiro.

O que ficou definido?

Definiu-se que teríamos um escritório de crise e, evidentemente, um grupo trabalhando e dialogando diariamente, de forma rápida, para que se possa trocar informações rápidas. Esse grupo já existe. Nós estivemos ontem (esta terça-feira) lá, cuidando da governança dele, dos nomes principais que vão trabalhar. Cinco, seis de cada equipe; cinco, seis profissionais aqui do Ministério da Justiça, da Secretaria Nacional de Segurança Pública; outros tantos lá da Secretaria Estadual de Segurança Pública. Isso visa que possamos trocar informações rapidamente; tratar de questões de recuperação de ativos; reforço de efetivos, por exemplo, de Força Nacional, Polícia Rodoviária, as Ficcos, e assim por diante. As Ficcos são as Forças Integradas de Combate ao Crime Organizado da Polícia Federal, que têm uma atuação importante no Rio. E a ideia é que se possa potencializar essas ações que já existem para que as respostas possam aparecer, e para que possamos ter mais eficiência nesse processo.

Procede o termo “narcoterrorismo” usado pelas polícias do Rio?

De modo algum. Isso, na verdade, é outra versão para consumo popular, equivocada e, na minha visão, até um tanto quanto desonesta. Porque quando se fala em aprimoramento de cooperação internacional, isso é papo de quem desconhece o dia a dia das Polícias Federais, dos Ministérios Públicos Federais, dos próprios Ministérios Públicos Estaduais. Eu venho do Ministério Público Estadual de São Paulo, e já fazemos cooperação com os Estados Unidos há décadas, desde o tempo em que eu era promotor do Gaeco. Essa cooperação sempre existiu. E não é virando terrorista que nós vamos avançar, muito pelo contrário.

Por que tem sido utilizado?

O terrorismo, na verdade, tem algumas sacadas que ninguém está percebendo. Primeiro, que permite, na verdade, intervenção externa no Brasil, mexe seriamente com a nossa soberania. E, em segundo lugar, restringe o combate ao crime organizado às forças federais. Acho que nem os governadores perceberam isso. Portanto, tira os Gaecos dos estados e tudo mais. Então, é uma versão bonita: “Ah, isso é terrorismo”. Desconhecendo a lei que define o que é terrorismo no Brasil, que não tem nada a ver com o que faz o crime organizado hoje aqui no Brasil. São conceitos diversos. Envolve política, religião, etnia, raça — não é o caso do crime organizado do Brasil.

O que pensa sobre o Consórcio da Paz, lançado por governadores de direita?

É interessante essa questão da política. Segurança pública deve ser vista como uma questão de Estado, não de governo. Tem de ser vista como uma questão não ideológica. E quando se fala em um consórcio, em ações integradas, talvez, os governadores desconhecem o que se faz, qual é o dia a dia do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Por exemplo, hoje, no ministério, temos uma reunião com profissionais especializados de todas as Dracos (delegacias especializadas em combate ao crime organizado), trabalhando no âmbito de uma rede que nós criamos a partir de abril do ano passado, que é a Renorcrim (Rede Nacional de Combate às Organizações Criminosas). É um trabalho em rede com todas as delegacias especializadas, com todos os Gaecos dos Ministérios Públicos, com as forças federais. Esse trabalho já existe há mais de um ano, trocando expertises, capacidades, criando sinergia. Então, é um movimento político, evidentemente, esse dos governadores, mas é importante que tenhamos essa oportunidade de falar em um veículo como este, consagrado, para que as pessoas saibam que isso existe.

Acreditava-se que essa cooperação só viria depois da PEC da Segurança; ela já ocorre?

Já ocorre. Temos a Renarque (Rede Nacional de Combate ao Narcotráfico) e a Renope (Rede Nacional de Operações Especiais) com as polícias militares. Estamos trabalhando, isso existe. As Ficcos das Polícias Federais são Forças Integradas de Combate ao Crime Organizado. Qualquer operação da Ficco envolve a Polícia Federal, mas também as forças estaduais. Então, isso, é um movimento político, e o que precisamos, na verdade, é trabalharmos juntos. A PEC da Segurança Pública, que o ministro Lewandowski idealiza, na nossa visão, é com muito acerto. Ela é a constitucionalização do Susp (Sistema Único de Segurança Pública), para que possamos coibir alguns vícios. Se nós tivéssemos uma coordenação nacional lá no final da década de 80, começo da década de 90, quando o crime organizado estava circunscrito ao Rio de Janeiro e a São Paulo, ele talvez não tivesse avançado para os estados do Norte, do Nordeste, para todo o país, ou mesmo, talvez, não tivesse ultrapassado as nossas fronteiras e se associado a outras organizações estrangeiras. O Brasil nunca pensou em segurança pública em nível nacional, e é disso que a PEC trata. Ela não vem, evidentemente, para resolver de imediato o crime organizado. Ela dá a possibilidade de uma reestruturação para que, juntos, irmanados em um sistema de cooperação federativa, possamos avançar.

Governadores alegam que a PEC invadirá a competência dos estados. Como responde a essa crítica?

Vejo que o nosso momento atual é o da versão, e não dos fatos. Talvez, se esses governadores tivessem lido a PEC, veriam que tem um artigo específico lá dizendo que a PEC não mexe com as autonomias legais e constitucionais estabelecidas para os estados. A PEC apenas dá a oportunidade da construção, por meio do diálogo interfederativo, de um Plano Nacional de Segurança Pública. Ela estabelece diretrizes genéricas, coisas que talvez alguns desses governadores pudessem fazer, como instalar Regime Disciplinar Diferenciado em seus estados, que não existem. Ou ter um plano eficiente de combate ao crime organizado, que não existe, muitas vezes. Não estou apontando este ou aquele governador, e eu não insisto, eu não gosto de entrar nesse debate político, estou procurando ser técnico. Mas a verdade é que a PEC é muito clara quando ela diz: “Não vai mudar nada para os estados”. O que vai permitir é que possamos dialogar mais por meio do Conselho Nacional de Segurança Pública e estabelecer diretrizes genéricas.

A CPI do Crime Organizado pode contribuir com o debate?

Eu respeito demais o Congresso Nacional. Espero que eles possam contribuir positivamente. São parlamentares eleitos e que representam a população brasileira. Agora, espero que, em primeiro lugar, escapemos do campo ideológico, do debate político, e possamos ter um olhar que seja de Estado para a segurança pública no Brasil, porque quem sofre mais com a segurança pública são os mais necessitados, aqueles que estão numa condição de maior vulnerabilidade. Essas são as primeiras vítimas. É olhar isso como uma questão de Estado, deixando de lado a ideologia e a polarização política.

O sofrimento imposto ao cidadão é o que explica a opinião pública favorável à operação no Rio?

As pessoas querem soluções e, quando você apresenta uma determinada solução, as pessoas, muitas vezes, pensam: “Bom, pelo menos está sendo feita alguma coisa”, “pelo menos o Estado está mostrando força”. E é importante destacar que o Estado, de fato, tem que mostrar força, mas a força do Estado tem de ser mostrada com uma polícia bem estruturada, com trabalho de inteligência, com retomadas territoriais, com ações desestruturantes das facções. E isso é necessário. É nesse sentido que nós trabalhamos todos os dias lá na Secretaria Nacional de Segurança Pública, sob o comando do nosso ministro Lewandowski.

Em que o projeto contra as facções pode contribuir?

Aprovar a lei do jeito que nós a mandamos não significa que no dia seguinte os nossos problemas estarão resolvidos. Na verdade, é um componente a mais. No fundo, o projeto tem uma vertente legislativa que procura reestruturar o sistema de segurança. E esse é um olhar para o crime organizado atual no Brasil, porque a nossa Lei de Organizações Criminosas, o nosso Código de Processo Penal, nosso Código Penal e todas as leis penais foram construídas num período diferente do Brasil. Voltávamos de um período ditatorial, então elas foram construídas naquele momento do raiar da democracia no Brasil. Foram e são muito importantes, e os princípios básicos precisam ser preservados, mas existe algo pontualmente que precisa ser mudado. Por exemplo, nós não trabalhávamos com domínio territorial, nós não tínhamos crime organizado, aí ele chegou. As duas facções famosas aqui do Brasil, que iniciaram os trabalhos lá no início da década de 90, hoje tomam territórios. Então, é preciso um tipo penal de domínio territorial.

Qual é a estratégia do governo para o combate às facções?

Temos de atuar em várias frentes. Tem de haver uma operação policial para retomar o território, tem que haver um trabalho de inteligência prévio para sabermos quem são as lideranças. E essas lideranças têm de ser neutralizadas, no sentido de serem presas e entregues à Justiça para cumprimento de pena. Mais do que isso, esses territórios foram dominados por facções porque ali não havia Estado. Então, o Estado tem de entrar. O Ministério da Justiça investe num projeto que se chama Território Seguro. Estamos vivendo essa experiência neste momento. Esperamos, em algumas semanas, fazer uma apresentação detalhada do projeto, que saiu do papel e está se transformando em realidade num determinado estado, uma área já retomada de uma grande facção, onde os serviços do Estado estão entrando.

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fonte:

Correio Brasiliense

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