Prostituta formada em letras narra em livro experiências com clientes
Lola Benvenutti escreveu “O prazer é todo nosso” a partir de vivências reunidas em blog com postagens sobre a própria trajetória

Na antessala da maioridade, a estudante Gabriela Natalia da Silva tomou uma decisão no mínimo inusitada para dar vazão ao desejo sexual nutrido desde a infância: adotou um codinome e resolveu cobrar dinheiro para transar. Era o passo mais ousado de um apetite libidinoso com o qual havia perdido a virgindade aos 11 anos em uma transa com um homem de 30 conhecido pelo bate-papo na web. “Eu caçava uns caras na internet que achava que não tinham ‘perfil de assassino’. Me descobri muito cedo sexualmente e decidi cobrar. Já tinha curiosidade, era um processo natural”, descreve (leia entrevista abaixo). Lola Benvenutti seguiu adiante na cruzada pelo prazer. Criou um blog e passou a relatar as experiências com os clientes. Angariou fãs, fama e reuniu a vivência em O prazer é todo nosso (Editora Mosarte, R$ 33,90, 169 páginas), lançado nesta segunda-feira (11).
Formada em letras pela Universidade Federal de São Carlos (SP), a mestranda Gabriela ampliou a lista de garotas de programa cujas experiências acabaram narradas em livro. O caso mais notável no Brasil atende por Bruna Surfistinha (nome de guerra de Raquel Pacheco), inspiração para o filme homônimo estrelado por Deborah Secco e autora do depoimento biográfico O doce veneno do escorpião. Somam-se ao grupo a ativista brasileira pelos direitos da prostituição Gabriela Leite, a prostituta brasileira com experiência em Portugal Paula Lee, a portuguesa Maria Porto, além das irmãs holandesas Fokkens, gêmeas referências no assunto aos 70 anos (veja abaixo). Entre a internet e a vida real, todas encontraram nas letras o modo de levar aos quatro cantos do mundo os devaneios vividos entre quatro paredes.
As histórias de Lola frutificaram na internet, o paraíso fértil do interesse sexual onde uma em cada quatro pesquisas se referem a sexo e 12% dos sites existentes contêm pornografia – como atestou pesquisa divulgada pela revista norte-americana The Week em março. Os relatos se particularizam pela defesa da prostituição como meio para extravasar a sexualidade. A prostituta foge do estereótipo de ter escolhido a profissão como obra de traumas, falta de oportunidades ou golpe sócio-econômico. Filha de ex-militar e ex-enfermeira, ela bagunça o preconceito sobre a ocupação ao trocar vida acadêmica por deleites na cama: “Não trato a prostituição como um fardo. O sexo torna a pessoa muito melhor”, crava.
Em O prazer é todo nosso, a escritora descreve encontros, distribui conselhos amorosos e sexuais, comenta traços e trejeitos de clientes. O tom é quase professoral. E há uma evidente preocupação em extrair prazer de qualquer situação: no striptease masculino, diante de clientes não atraentes ou até de indecisos quanto à própria sexualidade. A linguagem simples e o passeio por dúvidas cotidanas – muitos a procuram para fazer perguntas – aproximam o leitor da prostituição.
“Livros assim mostram o outro lado da história. Até se forem inventadas, aumentadas, é uma voz”, pondera a coordenadora-geral da Associação das Profissionais do Sexo de Pernambuco, Nanci Feijó. “É uma forma de elas se tornarem melhores dos que as que não têm como se embrenharem pelo caminho, o das letras”, contrapõe a doutora em antropologia pela UFPE Cecília Patrício, de um grupo de estudo sobre Família, Gênero e Sexualidade.
Acostumada a gerar reações pela profissão escolhida, Lola, aos 22 anos, foca na carreira enquanto se decide entre propostas para levar a história ao cinema ou teatro. Dona de um apartamento nos Jardins, bairro rico em São Paulo, pretende continuar com os atendimentos e o blog: “Graças à minha profissão de puta, escrevi o livro. Juntei minhas duas paixões: sexo e literatura”. Pelo visto, a fome sexual está longe se ser saciada.
ENTREVISTA // Lola Benvenutti
Como foi a escolha da profissão?
Foi natural. Sempre tive uma visão romântica da profissão. E sempre gostei muito do assunto. Me descobri cedo sexualmente. Aí, decidi cobrar. Já tinha curiosidade. Eu caçava homens na internet que não tinham perfil de assassino. Mas tive muita sorte. Nunca me aconteceu nada de ruim. Lembro até da primeira vez, vestia uma calça jeans, não sei como não correram. Eu já tinha defendido meu trabalho de conclusão de curso, decidi criar o blog. Sabia que sofreria preconceito.
E sofreu?
Quem estava afastado não se aproximou. A gente é criado para não achar isso normal. Para a minha mãe, foi difícil. Um professor chegou a publicar um poema no Facebook, dizendo que eu fazia por dinheiro, que grandes intelectuais não se importam com dinheiro, que não era inteligente. Uma mulher com cujo marido saí riscou meu carro. Dia desses, quase era barrada em um bar por ser prostituta. Ser puta é uma luta diária. Você tem que estar armada sempre.
O livro permitiu falar disso?
Vejo-o como uma chance de ser vista como pessoa séria. Não trato a prostituição como fardo. O sexo torna a pessoa melhor. Nele, discuto sexualidade, tenho carinho pelos seres humanos. Acredito que nem toda prostituta é vitimizada. Mas as pessoas tratam de forma deprimente, e as garotas se convencem disso, não se aceitam. Os filhos acabam oprimidos na escola, sofrem. Não enxergo assim. Para mim, foi um modo de realizar minhas vontades.
A prostituição é importante?
A prostituta é fundamental para a ordem social. O cara vai para a casa mais calmo. É alguém que não vai tomar o homem da mulher. Não quer ser amante.
(fonte: Thiago Barbosa – Correio Braziliense) com edição de André Silva