Das tramas para as telas: a arte de Juão de Fibra, de Novo Gama, vira filme

Cena do longa-metragem “Juão com Fibra”, de Ângelo Lima: o artesão de Novo Gama (à dir.) encontra uma de suas referências artísticas, Espedito Seleiro

“Eu não tive professor de artesanato: eu aprendi tudo com a natureza, com Deus”. Em poucas palavras, ditas de modo sincero durante as filmagens do documentário “Juão com Fibra”, do cineasta Ângelo Lima, João Gomes da Silva, o Juão de Fibra, resume seu modo singelo de aprender, fazer e disseminar sua arte. O filme, de 1 hora e 10 minutos, com recursos de R$ 80 mil obtidos via Lei Paulo Gustavo, traz a trajetória desse simples artesão de Novo Gama, no Entorno do Distrito Federal, que fez do capim-colonião e de outras fibras naturais, como o papiro do Nilo e o papiro silvestre, suas matérias-primas para a produção de painéis, cestos, biojóias, entre outros objetos de seu universo peculiar.

Segundo Ângelo Lima, o longa-metragem deveria ser um curta, mas conseguiram a façanha de, mesmo com o orçamento baixo, estender a história para mais de uma hora de projeção. “Fiquei impressionado. O capim, algo que está à nossa frente, é transformado em arte. É impressionante. É uma coisa motivacional. E o filme se tornou uma obra muito bonita, emocional”, avalia o cineasta, um dos fundadores da Associação Brasileira de Documentaristas (ABD Goiás).

De volta às origens

O documentário teve como foco principal as origens do artesão e sua infância breve em Varjota, no Ceará, até chegar em Brasília aos três anos de idade, em 1973. No município cearense, Juão descobriu o local onde estava sua residência, hoje uma escola. “Eu, um professor, um mestre, nascido num lugar que hoje é templo do saber”, filosofa.

Ele, que teve como inspiração mestres de outrora e ainda criança transformava o improvável, como uma simples pedra, em obra de arte, fez questão de visitar um grande artista popular do Nordeste, Espedito Seleiro. “É uma das referências mundiais do artesanato em couro; chamam ele de mestre, mas, para mim, é um grão-mestre, um ser muito evoluído”, reverencia Juão de Fibra. “Espedito é de uma linhagem de artesãos que fazia selas, sandálias, essas coisas. Inclusive, o pai dele foi quem fez as sandálias de Lampião”, revela.

O longa-metragem de Ângelo Lima teve sua estreia na Câmara Municipal de Novo Gama e, posteriormente, foi apresentado durante o terceiro encontro do curso Produção de Biojóias com Fibras de Bananeiras, junto ao grupo de mulheres Comuna Panteras Negras, em um assentamento da região administrativa de Planaltina (DF).

Agora, a ideia é que comece a ser exibido em festivais de cinema pelo país, como o Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (FICA).

Tudo em família

Já o curta-metragem “O Nosso Colonião”, de oito minutos, dirigido pelo cineasta Bruno Caldas, de Brasília, mostra Juão e toda a família envolta nas tramas das fibras naturais. A esposa Jauzida Veloso, a Jô de Fibra, também é artesã habilidosa, assim como seu filho e enteado de Juão, David Antonny, que utilizou o artesanato como válvula de escape do bullying que sofria na escola.

Enquanto os personagens tecem suas obras de forma simples e singela, os versos do brasiliense Marcos Fabrício imprimem um toque de lirismo à breve história da família de artesãos. “Foi tudo muito orgânico: tivemos algumas entrevistas e compomos, com esse material, um filme essencialmente poético”, resume Bruno Caldas, acrescentando que a produção, bancada por verbas da Lei Paulo Gustavo, está inscrita no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.

A Secretaria Municipal de Cultura e Turismo de Novo Gama foi uma das apoiadoras do projeto. Segundo o titular da pasta, Eliel Miranda, Juão é um artista visionário. “Ele é um cara de coração humilde e generoso. Somos amigos há muitos anos e sei que ele deseja deixar um legado, para que outros possam dar continuidade ao seu trabalho. E é também o nosso intuito, para que outros ‘Juão de Fibra’ apareçam em Novo Gama e na região do Entorno”, afirma.

Projeção nacional e internacional

Criador de um imenso acervo, Juão alcançou projeção nacional e feitos que muitos artesãos, talvez, tenham dificuldade em vislumbrar. Para ele, não há espaço para o vitimismo. “O artesão hoje é um empreendedor, deixou de ser o coitadinho que ninguém dava valor ao seu trabalho”, ressalta. “Hoje eu tenho uma vida que não é ruim. Meu trabalho vai para fora do país, participa de prêmios”, relata, com orgulho.

A convite das estilistas Camila Pedroza e Helo Rocha, ele desenvolveu os adornos em capim-colonião da vestimenta da primeira-dama Janja, para a posse do presidente Lula, em 2023.

Juão também esteve entre os vencedores do Prêmio Sebrae Top 100 de Artesanato e foi o autor dos troféus do prêmio Goiás Sustentável, promovido pela Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Goiás (Semad).

Como um dos grandes talentos da Região Metropolitana do Entorno (RME), exibiu suas peças na feira #NoEntornoTem, em Brasília, em 2023, promovida pela Secretaria de Estado do Entorno do Distrito Federal (SEDF-GO).

Nos dias 9 e 10 de novembro, ele promete estar novamente presente na capital federal, divulgando sua arte durante a segunda edição do evento. “Acho que o meu legado como mestre, como artesão e como professor já existe, mas eu quero mais. Porque a minha ideia é conseguir, por meio do artesanato, transformar vidas”, conclui.

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