Brasil deu apoio a milícia de extrema direita do Chile
Envolvida em protestos e ações terroristas contra o governo de Salvador Allende, a milícia de extrema direita Patria y Libertad encontrou no Brasil uma importante base de apoio.
Documentos secretos da chancelaria do Chile e inéditos no Brasil, aos quais o Estado teve acesso, revelam detalhes sobre como integrantes da organização atuavam em território brasileiro e chegaram a receber proteção política do regime militar. Segundo um ofício confidencial enviado de Santiago à embaixada chilena em Brasília, o governo de Emílio Garrastazu Médici concedeu, em julho de 1973, asilo a Eduardo Roberto Keymer Aguirre, identificado como integrante do grupo ultrarradical. A proteção do Brasil a Keymer veio em um momento especialmente conturbado da política chilena: quatro dias após a data de expedição do documento, o Patria y Libertad assassinou um ajudante de ordens de Allende, o capitão Arturo Araya Peeters.
A negociação para dar abrigo ao militante da extrema direita chilena teria sido conduzida pela Embaixada do Brasil em Santiago, sob a chefia do diplomata Antônio da Câmara Canto, que não escondia sua profunda oposição ao governo socialista. Não está claro, porém, se Keymer buscara abrigo na missão diplomática no Chile ou se conseguira entrar no Brasil para, então, solicitar asilo territorial.
Com o golpe contra Allende, a embaixada chefiada por Câmara Canto – ao contrário das demais em Santiago – não protegeu perseguidos políticos. Nem mesmo os cidadãos brasileiros exilados no Chile.
Um documento posterior, datado de dezembro daquele ano – portanto, após o golpe -, identifica um outro suposto integrante do Patria y Libertad, Gerardo Evangelista Roa Araneda, com vínculos no Brasil. Roa teria trabalhado como adido de imprensa na embaixada do Chile até 1964, ano da eleição da democracia-cristã em Santiago, com Eduardo Frei Montalva. No telegrama secreto, o chileno é descrito como uma pessoa bem vinculada nos setores empresariais do Rio e de São Paulo, secretário do Círculo Chileno carioca e amigo de jornalistas influentes.
Ele trabalhou no escritório da LanChile no Rio até 1970, quando suas “vinculações e participação ativa com a oposição ao regime de Allende” custaram-lhe o emprego, segundo o documento diplomático. Com o golpe de 73, foi recontratado.
‘Washington Post’. As primeiras informações públicas sobre a “conexão brasileira” no complô que levou à queda de Allende causaram alarme no governo de Augusto Pinochet, como mostram documentos trocados pela diplomacia chilena. A principal denúncia foi feita no início de 1974 pela repórter Marlise Simon, do jornal Washington Post, que vivia no Rio. Segundo a jornalista, entre 1972 e 1973, empresários paulistas enviaram aos conspiradores chilenos dinheiro e carregamentos de armas, que saíam do Porto de Santos disfarçados em caixas de maquinário agrícola com destino a Valparaíso. Marlise afirmou ainda que parte do dinheiro foi levada ao Chile pelo jornalista carioca Aristóteles Drummond, que escrevia na revista O Cruzeiro.
Questionado pelo Estado, Drummond negou ter transportado recursos para os chilenos que preparavam o golpe. “Eu não levei, mas teria levado”, garantiu. “Tenho o sentimento de que os brasileiros amigos do Chile tenham (enviado dinheiro). Sou de classe média, mas, se corresse uma lista aqui para dar US$ 500 (a grupos anti-Allende), eu daria do meu bolso. Acho que o general Pinochet foi decisivo para evitar a criação de uma sucursal de Cuba no Pacífico”, disse, por telefone. “Pinochet salvou o Chile, assim como os militares salvaram o Brasil.”