Falta de medicamento na Saúde do DF interrompe tratamentos de câncer

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A voz mansa no primeiro contato telefônico respondeu com um mísero “alô”. Ao me identificar, ouvi do outro lado da linha um suspiro ancorado na dor. A conversa prosseguiu. A professora aposentada Rosana Vitelli, 52 anos, num primeiro momento, não se sentiu confortável para contar seu drama — um câncer raro. Na quinta-feira, ela faria a aplicação de um fortificante ósseo no Hospital de Base do DF (HBDF). O compromisso serviu para a moradora da 415 Sul pedir um momento para pensar. Na verdade, a unidade médica cancelou o procedimento, pois o insumo está em falta. Trocamos mensagens naquela noite. A decisão foi influenciada pela quantidade de tempo — precisamente seis meses — que ela não faz uso de um medicamento que custa cerca de R$ 30 mil. O combustível para o encontro é também a única alternativa para frear a doença que a cada dia se espalha um pouco mais.
No fim da manhã nublada de sexta-feira, a mulher de estatura mediana e gestos suaves remexia uma história que a maior parte de seus dias fica enclausurada consigo. A indignação e o desespero deram o tom ao discurso. Eu perguntava com delicadeza. As respostas chegavam no mesmo compasso. Algumas acompanhadas de lágrimas. Fato é que a interrupção do tratamento ceifa cada chance de sobrevida de Rosana. Ela sabe disso. Para resignação não há espaço ali. O tumor de 7 centímetros na caixa torácica não permite. As cicatrizes, uma vai de uma orelha à garganta; e outra, nas costas, não a deixam esquecer um segundo sequer o drama. Os procedimentos retiraram nódulos na tireoide e na coluna vertebral, que acabou com duas vértebras lesionadas.
Em meio a ofícios, requerimentos, receitas médicas e protocolos, ela começa a narrar seu sofrimento. “Eu tenho um punhal que a qualquer momento vai penetrar. Vejo o desespero dos profissionais por não poderem me ajudar”, frisa. Durante o desabafo, a professora de geografia, que dedicou 34 anos de vida às salas de aula, conta que deixou sonhos para trás. Um deles, o de conhecer a Europa. Passar horas a fio dentro de um avião não é conveniente. “A última vez que viajei, estive no Sul (Gramado) e mesmo assim pensei que não conseguiria voltar”, conclui.
Fechado em 2012, o diagnóstico foi escondido de familiares e amigos por mais de um ano. No começo, Rosana nem sabia direito o que significava um ‘carcinoma medular pouco diferenciado’. Ela subestimou o tumor na tireoide. Achava que era simples, por isso não carecia de alertar os parentes. “Pensei que seria um tratamento simples, mas, com a investigação do caso, o médico me avisou qual era a real dimensão do problema”, detalha. A realidade dura do tratamento logo provocou uma reviravolta na vida da professora. Ficou sem andar, parou de dirigir — um dos maiores prazeres —, o perfeccionismo com a higiene da casa deu lugar a longas temporadas deitada. Passou aniversários sem poder receber um abraço sequer.

Choque

O que mais aterroriza Rosana é que o tratamento não tem expectativa de voltar à normalidade. A Secretaria de Saúde confirma a falta de previsão. “O medicamento Vandetanib não é padronizado e, portanto, não tem distribuição obrigatória pela rede pública. A aquisição somente é feita por meio de decisão judicial”, explica a pasta, em nota. Nem as recomendações da Justiça têm colocado fim à espera da professora. Em toda a capital federal, somente duas pessoas dependem da medicação. O último andamento do processo de aquisição do insumo ocorreu em 22 de novembro. O fornecedor está faturando o pagamento da compra e não há data para as caixas de Vandetanib 300mg chegarem na casa de Rosana. Além disso, a distribuição da injeção de Zometa 4 mg (fortificante ósseo), cujo estoque estava zerado desde 20 de novembro, só deve ser regularizada no final da semana.

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