Legalizar jogos de azar traria R$ 30 bi ano, crime e corrupção
Com contas públicas no vermelho, a possibilidade de nova fonte de receita impulsionou o debate sobre a legalização, e consequente taxação, dos jogos de azar. O Congresso tem dois projetos prontos para votação, um na Câmara e outro no Senado, mas entidades ligadas à Receita Federal, à Polícia Federal e ao Ministério Público avaliam que o Brasil não está preparado para combater crimes advindos da legalização de jogos, como corrupção, sonegação e lavagem de dinheiro.
Sem tradição de exploração do setor, a prática acabou se tornando um tabu no País. “O tema é tratado com viés moralista e religioso no Brasil, enquanto o mundo inteiro trata o jogo como uma indústria que paga imposto para o Estado”, afirma Magno José, representante do Instituto Jogo Legal e um dos principais lobistas do ramo em atuação no Congresso.
Relator do projeto em tramitação no Senado, Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE) defende que a legalização não é a exceção, mas o padrão internacional. “É preciso esclarecer que somos um dos últimos países a tentar legalizar os jogos e, por isso, temos prejuízo. Poderíamos ter uma indústria que cria emprego e desenvolvimento regional”, alega.
O relator calcula uma arrecadação anual de R$ 30 bilhões e argumenta que 97% dos países integrantes da Organização para Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) regularizaram os jogos. No G-20, fora o Brasil, apenas a Indonésia e a Arábia Saudita não regulamentam a atividade – são países islâmicos onde o jogo é proibido em caráter religioso.
Para mudar essa realidade, o relatório de Bezerra Coelho permite a legalização de cassinos, bingos e jogo do bicho, além de algumas modalidades de apostas. O projeto é muito semelhante ao que tramita na Câmara, relatado pelo deputado Guilherme Mussi (PP-SP). Sob o argumento de estimular a economia regional, ficou determinado que, a cada dez concessões para cassinos, quatro devem ser nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. A possibilidade de criação de cassinos resort chamou a atenção das grandes redes hoteleiras nacionais e internacionais, que também passaram a defender a causa.
Outro grupo diretamente interessado na legalização é justamente o de casas de bingos, bicheiros e outros estabelecimentos que operam na clandestinidade. A estimativa é de que o mercado ilegal do jogo já movimente R$ 20 bilhões por ano. “Para eles, o custo de manter a atividade ilegalmente ficou muito alto”, explica Magno José.
Controvérsias.
A iniciativa tem o apoio de parlamentares ligados ao núcleo do governo, mas é polêmica e já possui forte rejeição. O deputado Roberto Lucena (PV-SP) organizou um grupo de mais de cem parlamentares que conseguiram derrubar o caráter de urgência do projeto na Câmara. “Quem defende a proposta traz números sedutores de arrecadação e geração de emprego, mas poucos calculam o real custo social da legalização dessa atividade”, afirma Lucena. O deputado se preocupa com a ampliação do crime e com riscos de saúde ligados à prática do jogo patológico.
Para a Receita Federal, a legalização é porta de entrada para a lavagem de dinheiro e outros crimes. “É algo difícil de se controlar, porque são apostas e prêmios feitos em pequenas quantias”, disse Kleber Cabral, presidente da Associação Nacional dos Auditores da Receita (Unafisco). Ele alerta ainda para a possibilidade de legalizar lavagem de recursos eleitorais e aponta falhas no projeto como a falta de limitação da quantidade de cassinos em operação e uma determinação clara de como será feita a autorização dos estabelecimentos.
Presidente da Federação Nacional de Policiais Federais (Fenapef), Luis Bouens argumenta que a regulamentação precisa vir acompanhada de uma preparação do Estado, dos órgãos de controle, sistema policial e Judiciário. Ele não acredita que as instituições estejam preparadas atualmente para investigar e julgar crimes ligados à legalização de jogos. Entidades ligadas ao Banco Central e o Ministério Público também já divulgaram notas de preocupação.
Por outro lado, Fernando Bezerra, relator do projeto, alega que a proposta prevê o repasse de 2% da arrecadação para a instrumentalização da Polícia Federal, além de estabelecer penas para o funcionamento ilegal dos jogos e fraudes de resultados. A proposta determina ainda que 91% da arrecadação seja repassada para as áreas de seguridade social, como saúde e assistência social, e ajude no combate do jogo patológico. Com informações do Estadão Conteúdo.