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No Dia do Professor, mestres contam como é educar

Em 2012, o Brasil tinha 2,3 milhões de professores. Entre eles, 415 mil (20%) se dedicam à educação para a diversidade, como para indígenas, quilombolas, pessoas com deficiência (educação especial) e privadas de liberdade. O número desses profissionais cresceu 1,5% de 2011 para 2012, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

No Dia do Professor, mestres contam como é educar para a diversidade (Foto:Divulgação)
No Dia do Professor, mestres contam como é educar para a diversidade (Foto:Divulgação)

Nas salas de aula, esses professores devem garantir o resgate da cultura dos povos, o ensino de direitos e das políticas públicas, conforme a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

Cada situação impõe desafios aos docentes. Por exemplo, de acordo com a resolução do Conselho Nacional de Educação, 11,8% das pessoas que estão presas ou em centros de reabilitação são analfabetas e 66% não chegaram a concluir o ensino fundamental. “O tempo que passam na prisão (mais da metade cumpre penas superiores a nove anos) seria uma boa oportunidade para se dedicar à educação”, diz o texto.

Para os alunos da educação especial, as aulas devem visar a técnicas e recursos específicos para garantir a inclusão.

No Dia do Professor, O DEMOCRATA apresenta algumas reportagens com alguns desses profissionais que contaram suas experiências, sua carreira, como é o dia a dia e os obstáculos enfrentados, como falta de água na escola. Eles acreditam que pela sala de aula é possível mudar a realidade do país.

Quilombola

O acesso à educação foi uma conquista das comunidades quilombolas localizadas próximo a Codó, no interior do Maranhão. Em 2010, o ensino infantil chegou à comunidade Centro do Expedito. No mesmo ano, na comunidade vizinha, Santo Antônio dos Pretos, foi construída a primeira escola de ensino médio da região, o Centro Quilombola de Alternância Ana Moreira. As escolas eram demandas antigas, de mais de 20 anos. Da luta por essas escolas, quem participou foi o professor Mário Sérgio Moreira de Queiroz.

Aos 43 anos e morador da comunidade quilombola de Bom Jesus, uma das 13 da região, Queiroz fundou e dirigiu o centro, onde os jovens fazem o ensino médio. Hoje, dá aulas no ensino fundamental em Bom Jesus. E conta como a instalação das escolas mudou a realidade da comunidade, em que muitas famílias deixavam a terra natal em busca de educação e oportunidades nas cidades vizinhas.

Queiroz nasceu e cresceu na comunidade Santa Maria do Moreira, atual Bom Jesus. Na época, não havia escola, os primeiros ensinamentos vieram da mãe. Para cursar o ensino fundamental, foi para Codó. Com o sexto ano completo, voltou para a comunidade e começou a dar aula do 1º ao 5º ano. Depois, fez o ensino médio e completou o magistério. Estudou matemática no Centro Federal de Educação Tecnológica do Maranhão, disciplina que leciona.

“A juventude que está na escola consegue ter uma visão de um mundo melhor do que seus pais e avós. Consegue acessar a tecnologia, compreender a preservação do meio ambiente, absorver conhecimento. Aprende que o homem do campo pode lutar para garantir os seus direitos, que estão inclusive na Constituição”, defende o professor.

Com o Centro de Ensino Ana Moreira, os estudantes têm formação técnica sobre agropecuária. O ensino por alternância significa que os alunos passam 15 dias em sala de aula e 15 dias na comunidade. A ideia é que levem o que aprendem na escola para as comunidades.

Diferentemente de Queiroz, o professor Solon da Nóbrega não nasceu em uma comunidade quilombola, mas desde 1997 se dedica a esse trabalho. Ele é responsável pela formação técnica no Centro de Alternância Ana Moreira. Este ano, desenvolveu o projeto Coisa de Preto, levando a dança, a religiosidade e a cultura afrodescendente para a sala de aula. O projeto será permanente e o objetivo é aumentar a autoestima dos alunos e resgatar a cultura que está se perdendo.

“A gente não trabalha para que como técnico o aluno saia daqui e vá trabalhar na grande fazenda, embora isso aconteça. A intenção é voltar para a comunidade e o que eles [alunos] aprendem aqui, eles possam usar lá para dar uma vida melhor às família deles”, diz o professor de zootecnia rural, biocultura de leite e corte, economia rural e extensão rural e também um dos fundadores da escola.

Os professores dizem não ser fácil a tarefa de lecionar em uma comunidade quilombola, e que os problemas ainda são muitos. Na escola infantil Centro do Expedito, os banheiros estão fechados por falta de água. A comunidade terá que cavar um poço próximo à escola. Para cozinhar na cantina, é preciso levar baldes com água até o monte, onde fica o centro de ensino. Todo trajeto é feito a pé. A escola de Santo Antônio dos Pretos recebeu computadores, mas os equipamentos não saíram da caixa porque falta rede de energia suficiente para ligar os aparelhos. “Não dá para conseguir tudo de uma vez”, comenta Nóbrega.

Para os professores, a satisfação maior é ver os alunos formados e colocando em prática o que aprenderam. “Hoje mesmo eu estive com um ex-aluno, Francisco Ribeiro é o nome dele. Ele fez o curso técnico em agropecuária e está produzindo, está feliz. Ele queria muito viajar, sair da comunidade, chegou a ir para Brasília, mas voltou. É um grande profissional e serve de exemplo para os demais. A gente se sente muito feliz em ver que foi protagonista e em ver o fruto desse trabalho”, diz Queiroz.

Índios

O sol nasce e Herminia Wôôpar Krahô já está de pé. Ela passa o café, toma banho e às 7h cruza o centro da aldeia até a escola. Às 7h30, o sino chama os estudantes, de 4 a 10 anos. Logo, as carteiras ficam cheias de kraré, como são chamadas as crianças pelos indígenas da etnia Krahô na Serra Grande, uma das 27 aldeias que formam a Kraolândia, no nordeste do Tocantins.

Única professora indígena, dos quatro que ensinam na região, Wôôpar estudou em Paraíso do Tocantins (TO), a 63 quilômetros da capital Palmas. Começou a lecionar em maio de 2010 quando o antigo professor, também indígena, deixou a escola.

“Ele não tava cuidando bem”, diz a professora, que ainda não concluiu o curso superior. O conteúdo é todo na linguagem dos mehin – como chamam a si mesmos. É com Wôôpar que os pequenos aprendem a ler e escrever. “Tudo na língua [krahô], eu não ensino o português”, explica.

A aula dura cerca de uma hora e os alunos são dispensados. Alguns não aguentam até o fim, saem para brincar. Outros esperam o lanche, servido na escola, quando tem merenda. À tarde, os alunos cuidam da tarefa. “Pra mim, [dar aula] é muito importante. Devagar eu vou aprendendo mais”, diz a professora.

Ela se orgulha de ver que alguns alunos já estão conseguindo ler e escrever. Dentro de casa, incentiva o filho Gabriel Ihôjawên Krahô, de 12 anos. “Estudar é importante”, reforça.

A escola de Serra Grande tem duas salas de aula que atendem às 17 famílias que moram no local. Os pais costumam assistir uma ou outra aula dos filhos, para acompanhar o aprendizado. No turno oposto, a escola oferece educação para os adultos. Wôôpar era uma dessas alunas, mas resolveu se dedicar ao preparo das próprias aulas. Ela busca capacitação nos materiais didáticos distribuídos e em conversas com os outros professores.

A formação inicial e continuada de professores indígenas em nível superior, a produção de material didático específico em línguas indígenas, bilíngues ou em português cabe ao Ministério da Educação, que também oferece apoio político-pedagógico e financeiro às escolas indígenas.

Em Serra Grande, o autor do material usado em sala de aula é o indígena Renato Yahé Krahô. O livro é usado pela professora Luana Barbosa Pimentel, que mora em Alto Lindo (TO), cidade próxima à terra indígena.

Ela dá aula do 1° ano do ensino fundamental ao 3º ano do ensino médio, os alunos se misturam e tem entre 7 e 20 anos. Ensina história, geografia, português. E, mais recentemente, cultura, saúde e educação indígena.

Para essas disciplinas, além do material didático, muito do que leva para a sala de aula aprende também na própria aldeia. “Eu observo as festas, as cantorias”, conta.

Luana passa a semana na aldeia, dormindo na escola. No fim de semana, sai e enfrenta mais de quatro horas de estrada de chão para ver o namorado. “É um pouco difícil para ele, mas tem que aceitar”.

Para ela, trabalhar com os indígenas é um sonho de criança. “Eles precisam de alguém que venha de fora da aldeia, que ajude com a língua e com outras relações que são diferentes na cidade e que eles não entendem”.

Em Serra Grande, pelo menos uma vez por mês os indígenas vão às cidades próximas, como Itacajá (TO) ou Goiatins (TO), para fazer compras com o benefício do Bolsa Família. Alguns têm também um emprego na cidade. A relação com os kupen (os não indígenas) está presente no cotidiano. O português e a matemática são necessários.

Luana diz que muitos querem continuar na aldeia, mas há também a vontade de seguir estudando, fazer uma faculdade. “Tem indígenas que estão fazendo faculdade em Itacajá. Muitos fazem magistério”, relata a professora, que começou a dar aula em 2010 e concluiu o curso superior este ano, aos 25 anos.

A experiência é positiva também para Vitor Aratanha, professor desde 2012 em outra aldeia krahô, Pedra Branca. Vitor trabalha com a etnia há cinco anos. Antes de ser professor, era funcionário da Fundação Nacional do Índio (Funai).

“A educação é um caminho mais profundo para se conseguir outra formação e poder ajudar um pouco na história deles. Os caminhos a que a educação te leva são mais profundos nas aldeias, tenho mais contato com os jovens”, diz.

A escola de Pedra Branca atende a 200 alunos, pouco mais de 100 têm aula com Aratanha. Segundo ele, um dos desafios é trabalhar pensando na perspectiva do próprio indígena. “Há muitos jovens desconectados dos saberes tradicionais. O esforço é trazer isso para dentro da escola. E trazer também para os velhos”.

Outro desafio é adaptar o formato de ensino, ainda voltado para os centros urbanos, para a educação indígena. Ele defende mais capacitação e produção de material específico. “Para trabalhar com outras culturas é preciso ter outras perspectivas”, disse. (Com Agência Brasil)

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