Governo dos EUA criou rede social para atrair jovens em Cuba
O governo dos Estados Unidos admitiu, na tarde desta quinta-feira (3), que manteve, até 2012, um programa de desenvolvimento em Cuba que incluiu a criação de uma rede social similar ao Twitter. A notícia foi divulgada na manhã desta quinta pela agência de notícias Associated Press (AP), que afirmou que a rede social tinha como objetivo incentivar a dissidência entre a população cubana contra o governo da ilha no Caribe. Segundo o porta-voz da Casa Branca, Jay Carney, o programa não era “secreto” e estava ligado a um órgão do governo que fomenta o desenvolvimento de países pobres, mas não atua com serviços de inteligência no exterior.
“O programa a que se refere a Associated Press é um programa de desenvolvimento executado pela Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional [USAID, na sigla em inglês], e esse programa foi completado em 2012”, afirmou Carney durante entrevista coletiva na tarde desta quinta, horas após a publicação da reportagem. Segundo a AP, o governo cubano não quis se pronunciar sobre a notícia.
“Como vocês sabem, a USAID é uma agência de desenvolvimento, não uma agência de inteligência. Sugestões de que esse foi um programa secreto são erradas”, continuou Carney. “O congresso financia programas democráticos para Cuba para ajudar a empoderar os cubanos para que eles possam acessar mais informação e fortalecer a sociedade civil. Esses financiamentos são públicos, ao contrário de operações secretas. O dinheiro investido foi debatido no congresso. Além disso, o Escritório de Contabilidade do Governo [GAO, na sigla em inglês] revisou esse programa em detalhes em 2013 e concluiu que ele foi conduzido de acordo com as leis americanas e sob controles de supervisão apropriados.”
De acordo com a AP, a rede social criada pelo governo americano em Cuba foi batizada de ZunZuneo, que remete ao nome “zunzun”, como o pássaro beija-flor é conhecido em Cuba. Ela funcionou durante dois anos e atraiu a dezenas de milhares de usuários. O plano era que, a princípio, a rede se tornasse popular entre os jovens de Cuba, para em seguida incentivá-los a se tornarem dissidentes.
A agência afirma, porém, que em nenhum momento a plataforma divulgou que sua criação se devia à USAID, uma agência vinculada ao Departamento de Estado dos EUA. A AP diz ainda que os criadores da rede estavam coletando dados pessoais dos usuários sem aviso prévio, para um dia usá-los com propósitos políticos.
De acordo com documentos citados pela AP, houve um “esforço signficativo” de ocultação dos laços entre o ZunZuneo e o governo de Washington: empresas de fachada foram criadas na Espanha e contas bancárias foram abertas nas Ilhas Cayman, com o objetivo de ocultar as transações financeiras. Citando os documentos obtidos, a Associated Press diz que a estratégia de evitar o rastreamento do dinheiro até a origem nos Estados Unidos serviria tanto para que a credibilidade do projeto não fosse duvidade pelos usuários quanto reduziria o risco de o governo cubano bloquear o site no país.
Além disso, altos executivos de empresas privadas teriam sido contratados sem que eles soubessem que trabalhariam para um projeto financiado pelos impostos pagos pelos americanos. Segundo a agência, uma dessas empresas, chamada Mobile Accord, afirmou, em um relatório, que “não se mencionará em absoluto a participação do governo dos Estados Unidos”, e que “é totalmente crucial para o êxito de longo prazo do serviço e garantir o cumprimento da missão”.
Francoise de Valera, candidata a um dos cargos na Mobile Accord, com sede em Denverm nos EUA, disse à AP que em nenhum momento da entrevista foi informada sobre projetos realizados em Cuba ou a participação do governo americano nos projetos da empresa.
Governo dos EUA admite ‘discrição’
Embora negue que o projeto da USAID tenha sido secreto, o porta-voz da Casa Branca admitiu que tomou medidas para manter a discrição. “Na hora de implementar programas em ambientes não permissivos, claro que o governo tomou medidas para ser discreto, é assim qeu você protege os atores e o público. Isso não é único de Cuba. Mais detalhes sobre esse programa estão disponíveis na USAID”, afirmou Jay Carney.
O site oficial da USAID afirma que mantém projetos em Cuba em três áreas: suporte humanitário para prisioneiros políticos e suas famílias, promoção de direitos humanos e democracia e facilitação do fluxo livre de informação. Ainda segundo o site, dos US$ 55 milhões que o congresso americano destinou a ações em Cuba, US$ 31 milhões (ou cerca de R$ 70 milhões) foram apropriados pelos programas da agência.
A Associated Press diz que cerca de US$ 1,6 milhão (ou R$ 3,6 milhões) teriam sido investidos no ZunZuneo, incluindo, além do site na internet, uma campanha de marketing. A ideia, porém, era que a rede crescesse lentamente, para, segundo a AP, não levantar suspeitas no governo cubano. A agência afirmou ainda que Jack Dorsey, o fundador do Twitter, foi convidado a encabeçar o projeto, mas teria recusado. A agência diz que Dorsey não quis comentar a respeito.
Os documentos mostram que a rede chegou a ter 40 mil usuários, mas que foi encerrada de forma abrupta e sem explicações depois que chegou ao fim uma das doações do governo. De acordo com os relatórios, a equipe do ZunZuneo conseguiu provas de que as autoridades cubanas tentaram rastrear as mensagens de texto enviadas pelos participantes do projeto e tentou penetrar no sistema do site.
Carney, porta-voz da Casa Branca, não explicou o motivo do encerramento do programa. “Foi uma ajuda do governo [americano] para aumentar o nível de informação que o povo cubano recebe e que pode discutir entre si. E é parte de um esforço que fazemos, não só em Cuba, mas em outras partes”, explicou. ( Do G1, em São Paulo)