Política
SILAS MARTÍ
DE SÃO PAULO
Em 1969, Lina Bo Bardi usou os destroços da demolição do Bexiga, bairro paulistano então rasgado por causa da construção do Minhocão, para montar o cenário da peça “Na Selva das Cidades”, no Teatro Oficina.
Toda noite, os atores destruíam um ringue de boxe feito de escombros –e reconstruíam tudo para repetir a cena de fúria no dia seguinte.
Da mesma forma que a arquiteta já se apoderava da cidade para montar um espetáculo, a décima Bienal de Arquitetura de São Paulo –que neste ano acontece em outubro e celebra os 40 anos da mostra– deixa o parque Ibirapuera, que foi sua sede até hoje, para tomar toda a cidade, incluindo o Teatro Oficina, desenhado por Bardi.
Em vez de uma mostra concentrada num único ponto, com projetos arquitetônicos isolados, serão vários recortes, quase todos dedicados a projetos de urbanismo, ocupando uma rede de espaços perto de estações do metrô.
“É a retomada da cidade e sua geografia”, diz José Armênio de Brito Cruz, diretor do braço paulista do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), que organiza a Bienal.
“Não será uma exposição de objetos bonitinhos, e sim uma mostra de caráter político, uma pauta que o Brasil deve enfrentar neste momento. Queremos reconstruir a face pública da arquitetura.”
Reconstrução também resume o momento do IAB e de sua Bienal. Depois do fracasso da última edição, que foi alvo de críticas e protestos de arquitetos e que teve um dos menores públicos de sua história, o IAB trocou seu corpo diretivo e estabeleceu parcerias com as grandes instituições culturais paulistanas.
Esses endereços, entre eles o Centro Cultural São Paulo, o Masp, o Museu da Casa Brasileira e até uma plataforma desativada do metrô construída sob a estação Pedro 2º, deverão abrigar a Bienal.
Ficou de fora, no entanto, seu endereço histórico, o pavilhão da Bienal no parque Ibirapuera, que na época da mostra de arquitetura estará ocupado por outra exposição.
Brito Cruz garante que o racha entre IAB e Fundação Bienal, motivado por dívidas dos arquitetos com a instituição de arte, já acabou. Mas a Folha apurou que a dívida de R$ 164 mil não foi saldada.
MATURIDADE E AMBIÇÃO
Apesar desta pendência, os planos para a Bienal de Arquitetura seguem a todo vapor. E o orçamento acompanha essa ambição –os R$ 18,8 milhões, que ainda devem ser captados via leis de incentivo, são quase dez vezes o custo da última edição.
“Há a necessidade de fazer uma exposição que dialogue com um público mais amplo”, diz Guilherme Wisnik, curador da mostra. “Nesta décima edição, a Bienal já tem maturidade para atingir a escala de toda a metrópole.”
Dentro dessa lógica, a ideia de que o público possa entrar e sair da mostra o tempo todo, usando o transporte público, “força uma visão da cidade com outros olhos”, nas palavras da cocuradora Ana Luiza Nobre. “Isso dá a experiência da cidade agressiva, violenta e, ao mesmo tempo, fascinante que é São Paulo.”
Essa experiência deve ser destrinchada em exemplos notáveis de urbanismo pelo mundo, que estarão reunidos na mostra reservada ao Centro Cultural São Paulo.
Entre eles, a Praça das Artes, projeto do escritório Brasil Arquitetura, estará em destaque como exemplo de obra que “costura vários lotes no coração da cidade”.
No Masp, a escala doméstica de projetos residenciais de Vilanova Artigas e Mendes da Rocha fará contraponto ao espaço público problemático das grandes cidades brasileiras. Esses projetos serão comparados a obras de artistas que articularam a ideia de circulação, como Hélio Oiticica e Cildo Meireles.
“São exemplos fundamentais da Bienal”, diz Wisnik. “Há a aceitação de que o modelo de cidade americana ou europeia não é mais hegemônico, e São Paulo passou a ser fonte de algumas lições para arquitetos e urbanistas, o que é uma surpresa para nós.”
Fonte: Folha Uol